quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

De algumas coisas

Há quem delire
Que sabe
De algumas coisas
Há quem saiba
Que delira
Alguém livre
Nem sempre cabe
Nas rações das bolsas
Até que saia
Na livraria.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Está tão osso

Está tão osso
Que nem a carne de pescoço
Cabe mais no bolso.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Uma grande façanha

Começar a semana
Ao som do Yes
É muito bom, já é
Uma grande façanha
Com tantas pessoas
Cheias de arrogância
Que me cansam
Mas não me povoam
Com má-fé e stress
E, para manter o pique,
Apesar do caos, nos céus
Mais degraus de Niterói Beatle Week.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Quando estivermos juntos

Quando estivermos juntos
Após tantos anos
Nitidamente confusos
Estaremos falando
Dos mesmos assuntos
Dos novos planos
De outros mundos
Por onde passamos

Através do espelho fundo
Eu me vejo atravessando.

Quem nunca



Quem nunca pescou

Que atire a primeira

Enciclopédia

Quem nunca pensou

Que livre a primeira

Ideia

Quem nunca pesou

Que retire a primeira

Merda

Quem nunca piscou

Que mire na primeira

Piscadela

Quem nunca pirou

Que se inspire na primeira

Classe média

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Não sei como

Face à fase atual
Não sei como moro
Ainda neste apocalipse now
Não sei como demoro
E para a patrulha da moral
Uma prece à pressa do meteoro.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Até o clima é um assunto polêmico

Até o clima é um assunto polêmico
Por mais que se aproxime o verão
São dias de crime
São tempos sombrios

O caos é organizado e sistêmico
Com o céu carregado, choverão
Suores, sangues do gado
E lágrimas em rios

Gritam os artigos acadêmicos
Sobre a climática alteração
E a ganância fleumática
Simula equilíbrio

Enquanto os mares, de tão boêmios,
Submergem, na ressaca, habitações
Como bares, barricadas
Corações e meios-fios.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Para não cair

Na tentativa de publicação
Dos acontecimentos oníricos
Para não cair no esquecimento
Muito menos na realidade

Vou protegendo meu coração
Dos arrependimentos cardíacos
Para não cair no pavimento
Das nuvens de qualquer saudade

Parece que aquela canção
De que não me lembro é um signo
Para não cair do conhecimento
Soberbo, típico da minha cidade

Evidências em vez de convicção
Por um cumprimento mais digno
Para não cair no arquivamento
Dos processos legais contra as autoridades.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Teste de contas

Eu gostava
Dos problemas
Quando eram apenas
De matemática.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Aos infames filhos

Alega má interpretação
Ao que foi dito
Textualmente

Quem mora na escuridão
Não ouve os gritos
Da sua própria mente

Não existe perdão
Aos infames filhos
Da ditadura delinquente.
.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

South american wave

Sou do partido 
Conservador
Da liberdade
Do pão compartido
E o projeto Condor
Feito dejeto arde.

sábado, 19 de outubro de 2019

Desde aqueles tempos

Quando você lembra
Como se entra
Naquele esquema

Memórias eu tenho
De que estou dentro
Desde aqueles tempos

Pode estar fora de moda
Mas a gente se recorda
Onde fica a porta.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

É o que parece por enquanto

São tempos estranhos
A mediocridade vigora
Plásticos dentro dos peixes
Não sei quantos
Viram minha história
Antes de desaparecerem
Talvez sejam tantos
Que foram em boa hora
Para sempre, nunca às vezes
É o que parece por enquanto
A canção interna que toca lá fora
Faz pensar que somos deuses.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Comigo, com quem sonha

Piada pronta
Na prática desconta
Pitada eletrônica
Despistada onda
Pirada conta
Os paióis e os contras
Quando se encontra
Comigo, com quem sonha
Com solares sombras
Tampouco se sondam
No Santos Dumont
Marechal, hold on,
Ao virar copos
Num gole de Galeão
E revirar corpos
Patada atônita
No aeroporto de Noronha
Ou no de Congonhas

Doenças e drogarias

Minha cabeça tenta
Saber o que se pensa
Sobre a consciência
Diante dos problemas
Que se inventam
Como doenças
E drogarias
Meu coração realiza
Coisas imprecisas
E pessoas indecisas
De outras vidas
Não sabem ainda.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Desde os tempos de Dom João Sexto

O símbolo da polícia militar
criada por Dom João Sexto
não poderia ser mais manifesto:
traz um pé de açúcar,
um pé de café,
duas armas e a coroa do Império.

Ou seja, é um braço armado para defender
a propriedade e o poder,
é a corporação que tem mais êxito
em matar e morrer
desde os tempos de Dom João Sexto
contra os mesmos pobres e pretos.

A notícia é de dois mil e antigamente
mas segue urgente:
a ONU diz que a polícia militar
do Brasil precisa se desmilitarizar

Enquanto não acaba a peleja
mais tetos e famílias inocentes desabam
quem mama na teta, deseja
continuar na aba
e se prorroga
a guerra às drogas

O gelo se enxuga
e quem lucra é sociopata
tem as mãos sujas de sangue
em forma de arma
apontando, da urna eleitoral e funerária,
com os dedos fumegantes
para a criança Ágatha
e às outras que desencarnaram antes.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Como se normal fosse

Defensivo agrícola
É o apelido
Inapelavelmente cínico
De agrotóxicos
Que defendem
Tão-somente
Os lucros sórdidos
Dos óbvios delinquentes
Na praia há vários
Empreendedores
Sem salários
Há dias e noites
Nos semáforos
Nos corredores
Dos camelódromos
Como se normal fosse
Uma salva de aplausos
Dos apresentadores
De sorrisos falsos
Tentando romantizar os horrores
Do nosso mísero estado
Agora vêm os anunciadores.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Pintam cores

Por nunca saber
Que dia é hoje
Eu amo você
As horas fogem
Na matinê
Antes da noite
Tarde blasé
Pintam cores
No ateliê
Em qualquer onde
No alvorecer
Desde ontem
E cadê
Quem pode
Me responder?
Quem responde?

terça-feira, 10 de setembro de 2019

O Brasil

Os forasteiros pensam que estamos de bobeira
Até expormos na praça as suas cabeças
O Brasil não é só futebol e carnaval
E vai se despertar do delírio tropical

A resistência reside nas escolas
A residência resiste nas escolhas
O Brasil precisa deixar de ser quintal
Dos gringos famintos pela Amazônia e pré-sal

Livros, músicas e filmes atiram
Mais do que o cio armamentista
O Brasil há de saber que é grande, igual
À sua dimensão continental

Conservatórios, museus e bibliotecas
Em vez de liceus de guerras
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Um dia vai tornar-se um imenso Bacurau.

sábado, 7 de setembro de 2019

Perguntar não ofende

Quão gratuito é um sexo?
Por quanto vende sua nudez?
Qual é o preço das drogas lícitas?

Quando haverá acesso
Para quem nunca teve vez?
Por que é proibido falar de política?

Em que dia encontro o nexo?
Trinta, vinte e cinco ou dez?
Quem somos nesta vida fictícia?

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Relendo

Relendo
Poesias antigas
Ao relento
Todas minhas
E de outrem
Ralando
Dia após dia
Raiando
Sol ou ventania
De ontem.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

O projétil de porte de trauma

No cotidiano da vida
A alma quiçá parta cedo
Conquanto haja alegria
Ela não é falsa nem de brinquedo
Embora possa ser ígnea
A alma não é apenas de fogo
Apesar de ser íntegra
A alma pode entrar no jogo
Como um fuzil, espingarda
Carabina, garrucha, rifle
Revólver e pistola, a alma
Possui calibre
O projétil de porte de trauma
Já anda a pleno pavor
Sob a supressão da flora, da fauna
Da humanidade, da paz e do amor.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Tem cada uma

Sob boas-vindas à fase adulta
A vida é dura
Desde que a morte durma
A vida dura
Mais do que a densa bruma
Ou a dança das nuvens de dúvidas
Uma nova atitude saúda
Se a situação não muda
Para a realidade plúmbea
Ficar dourada dura uma chuva
Uma tempestade na cuca
Uma linguagem oculta
Nas notas da música
Nas anotações malucas
Tem cada uma mais lúcida
Do que qualquer consulta.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Uma cisma

A partida
Não está ganha
Ainda
Joguemos com gana
A realidade desanima
E dilui a esperança
Já tão ínfima
E estranha
Eu tenho uma cisma
Desde a infância
Apesar do clima
Atual de ignorância
A vida
É uma grande montanha
Vamos subi-la
Talvez fique plana.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Não é mera memória

Não é mera memória
Afetiva de um moleque
De dez anos sob esta pele
Top Model foi uma novela ótima
Tinha até Led Zeppelin
Na sua trilha sonora.

domingo, 21 de julho de 2019

Tratativa

Entre tentativas
E erros
Eu me meto nesta vida
Neste enredo
De cenas exclusivas
De desespero
Tratativa da pura poesia
Com o tocante destempero.

Entre epifanias
E acertos
Entro neste dia
Neste endereço
De casas vizinhas
Aonde me perco
Com tantas saídas
Precisas e a esmo.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Da brava gente brasileira

O ateísmo
Como devoção
O absenteísmo
Como vocação

O obscurantismo
Como educação
O arcaísmo
Como inovação

O cinismo
Como perfeição
O banditismo
Como aptidão

O algarismo
Como emancipação
O abismo
Como atração

O fundo
Do poço
Possui subsolo
E submundo

Não sei se é feitiçaria
Lobotomia ou cegueira
Diante de tanta letargia
Da brava gente brasileira.

domingo, 7 de julho de 2019

Eu sou a borda

Eu sou a borda
Onde me penduro
Eu sou a corda
Onde pendulo
Eu sou a âncora
Onde perduro
Eu sou agora
Onde perfuro
Eu sou a metáfora
Onde pergunto
Eu sou a folga
Onde perfumo

Eu sou a chave da porta
É o meu percurso
Eu sou quem me transporta

O resto é perjúrio.

sábado, 6 de julho de 2019

Chega de maldade

Viver é fácil
Com os olhos fechados
Nada é real, Luís Inácio
Todavia o que sinto desmente
Esta cláusula pétrea,  indiferente
Parece que é proibido
Falar de política
E com a Madame
Em Strawberry Fields
Chega de maldade
Viva João Gilberto
Sou mais Erasmo
Do que Roberto.

terça-feira, 2 de julho de 2019

Mas não sou a rês

Na erma rua
Martins Torres fico
À espera do coletivo
Às cinco da madruga
Eu me inflo de alegria
Quando pinta o trinta
Mas no letreiro dianteiro
Piscam bom dia
Reservado
E no traseiro RES
Talvez tenha sido pro gado
Mas não sou a rês
E aguardo o embarque no choque
De realidade em dois ou três minutos
Ao som da minha playlist
Plena de psicodélicos rocks
Que apenas escuto
Longe do meu amor para não deixá-la triste
Por haver mais guitarra
Do que calma.

sábado, 22 de junho de 2019

E viro Pacato Paz

Há dias, até às segundas,
Em que respiro
De uma forma mais profunda
E viro
Pacato Paz
Para o espírito
Adquirir bem-estar
E calma
A fim de que se calam
A belicosidade
E a minha convicção
Assim deixo à vontade
Qualquer cidadão,
De bens ou não, sem parabéns
Com a própria estreiteza
A verdade não é o que se supôs
Sob a espantosa esperteza
De bois e/ou robôs.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Tatuagem na clavícula

Tudo passa
Tatuagem na clavícula
Da moça do caixa
Da padaria

Todas as coisas
Devem passar
Disco do George
Filho de Jorge

Todas as pessoas
Devem pensar
No que podem
Em vez de serem postes.

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Enquanto nado

Enquanto nado
Eu respiro e reflito
Para além do espelho
D'água, interno ou de vidro
Bato os braços
E as pernas
Giro do lado direito
Ao esquerdo a cabeça
Sob a touca
A trajetória não é pouca
De uma borda
À outra
Protejo os olhos
Do cloro
Embora embaçados
Os óculos, vejo tudo claro.

sábado, 25 de maio de 2019

Cortejando e cogitando

Cortejando
O que cogito
Cogitando
O que cortejo
Saio do agito
Ensaio desejos
Trabalhos, rascunhos
Maio menos
Rumo ao mês de junho
De mim mesmo
Quando testemunho
Que não almejo
Enquanto durmo
É mais pesadelo
Do que assunto
De sonhos belos

Dentro da minha cuca

O que leio
A respeito
Da realidade
Do meio
Da finalidade
Da totalidade
É só uma leitura
Extraclasse
Uma pintura
De Georges Braque
Talvez à altura
Entre o baque
E a certeza absoluta
Que bate, bate, bate
Dentro da minha cuca
Uma música ou uma fase
Que não acaba nunca
Nem é eternidade.

terça-feira, 21 de maio de 2019

No meu próprio lugar

Desterrado
Na minha própria terra
Transbordo nesta guerra
Módicos honorários
Por eternas tarefas
E plantões alados

Exilado
Na minha própria cidade
Escrevo para a saudade
Os meus velhos horários
Revigoradas coragens
Alguns livros colados

Refugiado
No meu próprio lugar
Não reconheço mais
Os antigos laços
E os amigos colegiais
Quase todos lassos.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

O mar do meu nome

Não se esconde
O mar do meu nome
Quando irrompe
O corrente codinome
Entre calmarias
Estrelas, procelas
Vagas e maresias
Minha alma navega
Dentro do navio
Às vezes à deriva
Sempre com destino
Passadiça moradia.

terça-feira, 7 de maio de 2019

Com uma cor particular

Se em cada mês
Do ano tacanho
Estivesse
Sob conscientização,
Contenda
Ou prevenção
Uma doença
Ou um problema
Com uma cor particular
Estaria a passagem
Longínqua demais
Com as possibilidades
Para trezembro ou jamais.

domingo, 21 de abril de 2019

Esta empresa hipócrita

A catedral de Notre Dame
Tem extrema fome
A construção da Idade Média
Vive na mais pungente miséria
Logo levantaram novecentos milhões
De euros ou dólares
Para suprimento das privações
Afinal, dinheiro dá em árvores
Um imóvel, uma igreja
Causa mais comoção
Do que a pobreza
Para vermos como são
As pessoas que comandam
Esta empresa hipócrita
Chamada de mundo, onde cagam e andam
Nada disso realmente importa.

Preciso mesmo de quase nada

Quem usa a ironia
Não abusa da mentira
Eu sinto um feliz alívio
Quando termino um livro
Eu tenho tantas saudades
Cidades e adversidades
De quando era mais moço
Só carne e osso
Preciso mesmo de quase nada
Para seguir a longa e sinuosa estrada
A cadela tão bela e velha
Entra na sala e estamos de sentinela
A quaisquer carro e futuro
Para além do escarro e do muro.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Assim

Assim que me deito
Na rede
Como se saísse do meu peito
Ou da parede
De cima um sol perfeito
Para os sonhos verdes
Ao mesmo tempo
Em que mato a sede
E a fome, contemplo
Os Beatles, baby
Assim que me deixo
Que assim me deixem.

terça-feira, 9 de abril de 2019

Você pensa que aguenta?

A lama chegou levando
A um metro e setenta
Até quando
Você pensa que aguenta?
As mãos estão
Armadas, enlameadas
Ensanguentadas
E também em forma de oração
Oitenta balas (e nem era
Dia de São Cosme e Damião)
Numa família negra
Com sabor de execução
E de negligência
Aniquilamento
De residências
De pertencimentos
Você pensa que aguenta?


terça-feira, 26 de março de 2019

O valor da inscrição

O valor da inscrição
No Festival de Poesia de Lisboa
Consiste em cinquenta euros, uma promoção,
Quase duzentos e vinte contos de réis
Tão salgado quanto o mar português
Inscrever-me num concurso público
É mais barato, por sua vez,
E seria um barato único
Se fossem abertas as vagas
À prefeitura de Pasárgada
Para o cargo de poeta-chanceler
Cinco versos à toa
Da letra A à E
Como múltipla escolha
Mas, já que isso não se trata da vida como ela é,
A realidade é outra,
Não está pro meu ascendente em Peixes a maré
Nem o Festival de Poesia de Lisboa.

segunda-feira, 25 de março de 2019

A memória

A memória não se recupera
Pela retrospectiva do ano
Transmitida dos estúdios da Anhanguera
Da Barra Funda ou do Jardim Botânico
A memória não se resgata
Através de regressões
E digressões baratas
São outras recordações
A memória não se readquire
Por quem não se lembra
Do seu papel neste filme
Matou a família e o cinema
A memória não se retoma
Só pela psicografia
Ou por biografias em coma
A memória mora escondida
Nos museus em chamas
Nos corações-arquivos
Fotogramas, livros, fonogramas:
Nos estragos vivos.

quinta-feira, 21 de março de 2019

Animal de intimação

Domesticando a ansiedade
Animal de intimação
Às vezes, proatividade
Noutras, precipitação
Substanciais milímetros
Por colossais metros quadrados
Pensando noutros perímetros
Com ares mais desurbanizados
Quero ver bois, galinhas d'angola
Vagalumes, vacas, cavalos e sapos
Acordando apenas na hora
Em que acabar o cansaço.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Tudo é um sintoma

Tudo é um sintoma
Uma pessoa no pensamento
Que logo depois se reencontra
No ônibus ou num cruzamento
Uma interjeição
Um bordão do espírito do tempo
Na fila do pão
Ou do pagamento
Um verso cantado no dial
Um sincero oferecimento no ar
Uma frase solta no canal
Escolha do zapear
Das ondas do rádio
Uma nota encomendada de jornal
Um slogan publicitário
Um entreouvido casual
Uma ligação, uma chama
Uma espionagem vizinha
Pela fresta da varanda
Uma epifania escorregadia.
Tudo é um sintoma
Uma pessoa no pensamento
Que logo depois se reencontra
No ônibus ou num cruzamento
Uma interjeição
Um bordão do espírito do tempo
Na fila do pão
Ou do pagamento
Um verso cantado no dial
Um sincero oferecimento no ar
Uma frase solta no canal
Escolha do zapear
Das ondas do rádio
Uma nota encomendada de jornal
Um slogan publicitário
Um entreouvido casual
Uma ligação, uma chama
Uma espionagem vizinha
Pela fresta da varanda
Uma epifania escorregadia.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Uma coisa só

O foco da alma
É o destino
Em qualquer estrada
Vou seguindo

Basta de cópia
Do pretérito
Sem tapa nas costas
Não vem um presente velho

Música, filme, palavra
Livro, quadro e idioma
Se não me marcam
O coração, não funcionam

Sombra e sol
Meia-luz e penumbra
São uma coisa só
Embrião e tumba.

domingo, 10 de março de 2019

Toldos rasgados

Toldos rasgados
Das penúltimas janelas
Doidos varridos
Para debaixo do topete
Todos os passados
Exibidos na passarela
Doídos vazios
Papo cabeça de pele.

sábado, 2 de março de 2019

Esta noite longa

Quero que esta noite longa passe
E leve embora a hipocrisia
Dos cidadãos de bem
Nunca foi tão notória a luta de classes
Nem é necessário ter tanta sabedoria
Para perceber quem detém quem
A elite quer que a gente trabalhe
E morra antes da aposentadoria
A alforria tem que ser aqui e não no além
Quero que esta noite longa acabe
Abrindo as cortinas para um novo dia
Quantas janelas você tem?

Dispenso

Dispenso
O topo da montanha
O degrau mais alto do pódio
O discurso de quem ganha
Desconheço o que posso
E diz: penso
Na minha cabeça a coroa
No meu coração o ódio
Antes que se corroa
Em mim a coragem que coço

Eu não vim da capital
Do Espírito Santo
Tampouco torço na geral
Para o rubro-negro time baiano

A minha maior vitória
É o prolongamento da resistência
Diante da idiotice em voga
O que me consola é o que se dispensa

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Nas encostas deste mundo

Em questão de segundos
Eu me seguro
Nas encostas deste mundo
Um copo d'água
Mantém a alma
Ao corpo vinculada
Desenrolando os fones de ouvido
Continuo com fome, ouvindo
O estômago e o espírito.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

A cada vinte e três minutos

A cada vinte e três minutos
Um jovem negro
É assassinado no Brasil

Deveria ser um duradouro luto
E parece que é censura ou segredo
A perpétua luta contra o comportamento hostil

Em mil trezentos e oitenta segundos
Um brasileiro moço e preto
É morto neste país de céu de anil

São vários, são muitos
Para serem contados só pelos dedos
E há quem conte que o racismo nunca existiu.

Hodiernos incógnitas

Amigos, ou melhor, colegas
Que reconheço de longe
Não sei mais quem são
Ao longo de muitas léguas
Embora tenham os nomes
E sobrenomes de então
Meu campo de visão não pega
Os estranhos de hoje em dia naquele horizonte
Fica só a recordação
De quem se apega
Em demasia à ponte
Erguida via imaginação
Os hodiernos incógnitos são pessoas imersas
Às pressas no jogo da vida, onde
Não há cartas para o coração.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Planejamento de acasos

Planejamento
De acasos
Menos o surgimento
Da alegria graças
Ao carnaval
Equivale ao pensamento
De negócios nada rasos
Em sussurros sonolentos
Em sonoras arrancadas
Tudo é um sinal.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

A verdade e a mediocridade

A verdade não mais importa
Porque não dá lucro
Fecham-se as portas
Os olhos, as orelhas e as cabeças
A verdade está morta
E nem todos estão de luto
Abrem-se às vozes escrotas
Os microfones insones e caretas
A mediocridade está solta
Com o lixo disfarçado de luxo
Ela anda absorta
Na baixíssima idade média
A mediocridade está com a corda toda
Sob este ar impoluto
A oxigenação se apresenta pouca
Porém com a arte não será fatal tal queda.

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Na estrada, no retrovisor

Na estrada
Cabo Frio
Arraial do Cabo
Iguaba
São Pedro D'Aldeia
Eu caibo
No assobio
Canções da parada
De recesso na veia
Beatles
Tim Maia
Tears for Fears
Bee Gees
Rita Lee
Ed Motta e Conexão Japeri
Marina
Queen
Inquilina
A minha infância
Mora em mim
A memória dança
Com quem sou eu
No Forte de São Mateus
Onde estive
Stevie Wonder
Tantos hits
Lulu Santos
Lobão, Blitz
Simply Red
Praia dos Anjos
Led Zeppelin
Praia do Foguete
Barão Vermelho
Fita cassete
No aparelho
Com auto-reverse
Antes que acabe
A marcha à ré
Rádio Saudade
Transa feérica
Pegando jacaré
Sacolé de groselha
Os anos oitenta
No retrovisor
Eis-me, ei-lo
Beirando os quarenta
Não estou velho
Sou retrô.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Já é uma ambição não tê-la

O que serei
Quando crescer
Será quem
Eu vou ser:
Uma estrela
Um célebre ninguém
Já é uma ambição não tê-la
Ah, desejoso desdém!

Tão atônito
Quanto seguro
Não sou a sua personagem
Nem ficarei pronto
Para qualquer futuro
Estou fora deste embarque

Tão anônimo
Quanto popular
Neste longa-metragem
Cujo fim eu não conto
Como vai acabar?
Como quero que acabe?

sábado, 19 de janeiro de 2019

De outro plano

Foi tão dentro
E tão remoto
Não deu tempo
de tirar uma foto
de tirar o bom senso
de tirar o propósito
de tirar uma onda
de tirar o gosto
de tirar a areia
de tirar uma canção
de tirar para dançar
de tirar uma conclusão
de tirar as setas
de tirar o prego
de tirar o proveito
de tirar uma prova
de tirar o chapéu
de tirar uma cópia
de tirar a ferida
de tirar o hábito
de tirar a fantasia
de me tirar a saudade
mas tirou à realidade
o sonho que tive
com meu avô
Pareceu um filme
De outro plano
Um resgate
Do que não pintou
Por enquanto.

sábado, 5 de janeiro de 2019

Antigamente

Antigamente
Todos os dias
Pareciam
Ser de aniversário
Eu via
Em vez dos atuais otários
Amigos e amigas
Diariamente
Penso nas coisas antigas
Futuramente
Quem sopra a velinha?