sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Tempero mental


Tempero mental 

Não há necessidade 

De pimenta ou sal

O saber é o sabor da idade 

Agridocemente individual 


No interior da cavidade 

Humor temperamental

Só gargalha quem sabe 

Não se finge felicidade 

Tão-somente para as fotos 


O futuro, com saudades,

Saúda os terremotos

Funda minhas cidades 

Afunda os maus modos

E finda meus disfarces 


Boiando como corpos

Em marcha, sem charme 

Soldados mortos

Ninguém se define pela metade

Tampouco por rótulos 


Perdi a quantidade 

De vazios, de vezes

Em que cometi estupidezes

No cair da tarde quente 

Quando a gente vira ente 


Eu me perdi na velocidade 

Das vozes, das vezes 

Em que menti aos deuses

Tomado por qualquer vontade 

Em que me demiti por meses 


Trocando fés por fezes

Supondo ser a outra margem  

Num dia inédito desses 

Sem coragem, eu não existiria 

Sem as minhas repetições


Sem as recordações 

Eu não reconheceria

A ordem das canções

Sou habitado por uma nostalgia 

Desprovida de compreensão 


É um sintoma de haver um além

O desejo de ser desta era

Já me torna ultrapassado, aquém 

A adversidade recupera

As virtudes que a prosperidade deixa sem.


O presente é o paladar atual 

O passado é um pão bolorento 

O futuro é utopicamente factual

A saudade é um apartamento 

Na verdade, é uma casa com quintal.



 

domingo, 8 de dezembro de 2024

O sonho de um profeta

O carnaval invade

As ruas da cidade

Notoriamente em alvoroço

Por uma profunda mensagem

Massas regressam aos lares 


Uma garota indígena

Apresenta para a sua tribo

Seu namorado da faculdade

De seu ninho desenvolvido

Um trio de pássaros 


Recentemente envaidecidos

Olham com brio

Caçadores atirando

Em patos selvagens

Caminham por um pântano 


As ilusões suaves

Estão libertas

Uma tempestade elétrica

Enche os céus de luz

O sonho de um profeta 


Aves domésticas

Envenenadas revoam

Em tentativas atônitas

Jovens patinhos se divertem

Lepidamente numa lagoa 


Uma mulher agitadora

Apaixonadamente apela

Para a multidão

Numa quermesse

Está reunida uma aglomeração 


De bom coração

A cabeça de um jovem

É transformada

Na de um pensador ancião

Uma radiante fada 


Dança na cerração

De uma cachoeira

Com troféus de guerra

Pendurados no cinturão

Um nativo cavalga 


De modo altivo

Os enfeites trazem para casa

Um espírito natalino

Duas jovens impressionadas

Fazem experimentos 


Com uma prancheta Ouija

Árvores vestidas de geada

Feito renda contra um firmamento

De inverno, oh, de inverno

Uma mulher está desapontada 


Enquanto um homem

Deixa seu aposento

Num parque, num dia invernal

Uma menina alimenta cisnes

Uma porta-bandeira se distingue 


Numa batalha corporal

Um parque público colossal

Oferece visitas sublimes

E inspiradoras

Num abraço estreito 


Uma serpente enrosca

Uma mulher e um homem

Convidados leem

Na biblioteca

De um casa luxuosa 


Numa sala repleta

De diversos livros

Um velho rabino

Feliz se senta

O sonho de um profeta 


Um divulgador de prestígio

Comanda seu concílio

Numa gigantesca tenda

Na calada da noite

A janta aguarda 


Pelo dono da fazenda

Um homem se expressa

Ao mesmo tempo

Em dois domínios

Com a riqueza da sua oferta 


Alguém está explodindo

O sonho de um profeta

Vive neste momento

Uma face impressa

Em imensas rochas 


Uma joalheria repleta

Das joias mais maravilhosas

Novamente desperta

Para a aventura

Uma mulher madura se admira 


Uma árvore de Natal

Carregada de prendas

E de velas convictas

Um cão de guarda está de olho

Enquanto um minerador de ouro 


Dorme perto da sua mina

Uma pomba alva sobrevoa

Em linha reta

Turbulentas águas

A caminho de casa 


Uma pomba alva

De forma rápida

Vira uma águia

E a águia se metamorfoseia 

Numa pomba alva 


Um coro voluntário de igreja

Faz de um ensaio

Um evento social

Uma bandeira a meio-mastro

Defronte a um edifício público descomunal


Encontro de gente 

Antes do alvorecer

Para um ritual de Páscoa

Em recinto aberto

O sonho de um vidente 


Lidera um ritual de poder

Um hierofante coberto

De maneira árdua

Sob topos cheios de neve

Quem adora o fogo está meditando 


De sua crisálida emerge

Uma borboleta

Primeiro a asa direita

Um divulgador de prestígio

Comanda seu concílio 


Numa gigantesca tenda

Após mudanças drásticas

Um clérigo reabilitado

Retorna à prática

O sonho de um visionário.