sexta-feira, 26 de abril de 2024

O odor do descupinizador


Mesmo depois de respondidas

Todas as questões científicas

Prosseguem ilesos

Os problemas da vida

Todos os dilemas intrínsecos e alheios 


Não consigo ser polido 

Com quem não leva a sério 

A opção pelo fascismo

Desprovida de mistérios 

A vida não precisa da fé


Custa tanto ser inteiro

Poucos têm a luz ou a coragem 

É muito caro o preço

Do abraço de um mundo qualquer 

Na tentativa de matar as saudades 


Renúncia completa 

Da busca da segurança 

Correndo o risco da queda

Como uma criança 

Como o que se é 


Aceitação da ansiedade 

Como parte da existência 

O flerte da dúvida e do blecaute

Como bilhete da competência

Área de escape nunca vem tarde


Na batalha diária, vontade ferrenha

A alegria forçada é um porre

Capacidade de total anuência 

De cada consequência

Do que se vive e do que morre 


Nome único, outra pessoa 

Horizonte translúcido perto de mim

O odor do descupinizador me atordoa

Todavia remove os cupins

De uma vez por todas.


Humor não é um estado de espírito, 

Mas um ponto de vista 

Está tudo tão bizarro e esquisito

Que quase ninguém acredita 

Que estou vendo sentido.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Administradores


 Somente administradores 

Podem enviar mensagens 

Todos os exploradores 

Chamam os povos indígenas 

De índios selvagens 


Todos os saqueadores 

Da natureza são facínoras

O resultado nos arredores 

Reflete a selvageria 

Dos acionistas e credores 


Desde a monarquia 

Aos dias de hoje

Aliás o dezenove 

De abril é a data

Dos primeiros ecologistas


Defensores da mata

Dos rios impolutos

Dos ritos sem farsa 

Dos ritmos oriundos

Da chuva, da carta


Emitida do lado de cima

E a tribo dita civilizada 

Mata os povos indígenas

Pela tecnologia avançada 

Com humanidade ínfima


Civilização selvagem

Não imagina que também morre

Mamãe, papai, alguém da torre,

Quando termina a viagem?

Só administradores enviam mensagens.



quinta-feira, 18 de abril de 2024

Vida longe, vida aqui, vida até

 

A vida não é a vivida

Mas a recordada

E o modo

Com que me recordo


Para contá-la

Vida longe, vida aqui, vida até

A vida lembrada

É a propriamente dita


Que serventia tem, gente boa,

Se creio ou não em Deus?

O que se leva em conta é 

Saber se Deus bota fé


Na minha pessoa

Luzes, penumbras e breus

Nenhum amor ou paixão 

É capaz de atingir


O esplendor, a perfeição

Ao procurar no seu par

O que só rola encontrar 

No interior de si


Vida longe

Vida que se esconde 

Vida aqui

Vida souvenir


Vida até

Uma vida qualquer

Toda a minha vida

Memória, mobília. 



segunda-feira, 15 de abril de 2024

Bulevar dos comuns

 

Quanto mais vi da grande peça 

Menos pude caber no seu elenco

Tento, falho, não me interessa

O tempo voa se fingindo de lento


O tipo de prosperidade 

De que careço

Não é fazer o que tenho vontade

Mas não fazer o que não quero


Todos nascemos insanos 

Continuam assim alguns

No passar dos anos

Pelo bulevar dos comuns


Tento mais uma vez só

Fracasso novamente

Um vexame melhor

Mais fresco e quente 


A virtude plena

Anula o indivíduo

Com veemência 

Da mesma maneira é o vício


Através da indolência 

E da ostentação 

Oriundas da intransigência 

E da tentação


Uma experiência profunda 

Nunca, nunca, nunca é serena

Quem argumenta alegando poderio usa

A memória no lugar da inteligência 


O que seria da marmita 

Sem o forno de micro-ondas? 

Uma boia fria, todavia

Não me afogo de fome nem de ondas


Só quem provou sabe como é 

Um híbrido de satisfação 

E tristeza depois da refeição

Sobretudo sem café


Todos estreamos loucos

Prosseguem assim alguns

Bolados, estranhos e soltos 

Pelo bulevar dos comuns. 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Embarcação mundana

 

A Terra é azul

A terra é preta

A terra é humilde

A Terra é um planeta 


A Terra é sobre-humana 

É divina, é soberana

Da terra vem a planta

A terra é húmus 


Embarcação mundana

É o barco, é a canoa

Em que todos estamos

Todas as pessoas


Más, neutras e boas

A Terra é o nosso exílio

A Terra é o domicílio 

De todo mundo


A terra é adubo

A terra gera

Trabalhador e vagabundo

Banqueiro e poeta


Se não cuidarmos dela

Todos os lares

Podem ir pelos ares

E não haverá terra


Para enterrar os mortos

Para abraçar os nossos

Muito menos guerra

Na nossa casa


A Terra é azul

Segundo o astronauta Yuri Gagárin

Em doze de abril

De mil novecentos e sessenta e um


A Terra é o ninho

É o nosso planeta

A nossa placenta

Lugar comum


A Terra pede paz

Da cor do céu e do mar

Antes que seja

Tarde demais


A nave navega

A terra é preta

Geral nasceu nu

A Terra é azul.



quarta-feira, 10 de abril de 2024

Consolos e sinônimos

 

Vamos ser marginais

Mergulhando na paz

Carvão e diamante

Ancião e infante


Contrastantes e iguais,

Diamante e carvão

Do mesmo carbono

Infante e ancião 


É um grito afônico

Sejamos menos distantes

Tudo é virtual e virtuoso demais

O tédio não tem nenhum instante


Para entreter quando nada se faz

Pelo apego ao abandono

Pela franqueza de ser feliz 

Para entender a fraqueza do não


A fim de que a arte finque

A sua fortaleza, os sonhos

O seu estandarte aqui

Com Drummond, Tarsila, Chico, Leminski


Caetano, Lennon, Vinícius, Rita Lee

Pessoa, Dali, Gil, Frida e Kandinsky

Traduzindo anjos e demônios

Salvando mais do que religião 


Choro e gargalho por pura bobeira

Para chegar ao coração eterno

Que bomba um mundo meu

O milagre é o dia seguinte


Os galhos da árvore chegam ao céu

Quando as suas raízes beijam o inferno

Escrevo com ares e teclas

Sou sustentado pela cabeça e pelo chão 


Não me atirem balas nem pedras

No cotidiano de gala

Na raridade de praxe

No eclipse às claras


Sulamericano poeta

Achando saudade e graça

Protocolo e coragem 

Maldade e perdão


O passado não volta mais

Do que o desejo de retorno

A energia se manifesta 

Vamos estar à margem


Do albergue, fora da cidade 

Iceberg no forno

Tudo o que foi já era

Agora será um tempo atrás


Assim a arte deixa

Consolos e sinônimos 

Na sua geladeira aquele recado

Com Pagu, Milton, Machado, Raul Seixas


Gullar, McCartney, Quintana, Picasso

Kubrick, Cacaso, Lispector e Bandeira

Vento, projeto e acaso

Dando sentido, alívio e direção.



segunda-feira, 8 de abril de 2024

Mania de perseguição


Mania de perseguição
Dos próprios sonhos
Com lápis à mão
Logo os sonhos também

É um sermão, é um colapso
É uma façanha, um engodo
Uma mecânica, um contrato
Tive infância, eu sei

Está ao lado a renovação
Do mundo hediondo
Relato da autodestruição
O dinheiro é a lei

Já se decompondo
É mister, é preciso
É um dever, é um estrondo
O pedido para mim e você

Apesar da escuridão
O ar vem com uma espécie
De prece, de vento novo
Não só parece como é a vez

Para que a mente pesque
Numa preciosa imaginação
Pela sinapse feliz dos neurônios
Dos canis aos ateliês

Mania de perseguição
Dos meus objetivos
Sou objeto, carne, dente, osso
Louvo a cor da minha tez

E me movo pela respiração
Não tendo, mas sendo espírito
Ar, terra, água e fogo
Alguém fará o que nunca fez

Eu quero usar a camisa
Escolar assinada no fim do ano
Até rasgá-la com o meu tamanho
E nostalgia daqueles futuros dias.