sábado, 23 de maio de 2020

Se fiquei esperando

Se fiquei esperando
Meu amor passar
Entre o gelo seco
E luzes estroboscópicas
O globo hipnótico
Segue girando
Mesmo depois de trinta anos
As tardes adolescentes
Dominicais e inocentes
Nunca vão sair da memória
As paredes sonoras
As matinês de cortesia
No Clube Naval
Em Charitas
Na Kool Ibiza
No Bedrock
Na Crazy Horse
Para a dança no meio da pista
Passos coreografados
Ao longo dos dias
Fumaça de cigarro
Mentolado bailando no céu
Como armaduras, camisa bordada
E o topete erguido à base de gel
Cortinas cúmplices e pesadas
Como as pálpebras
Fechando a janela
Do sonho que se congela
E recebe o nome
De reminiscência
Ou de saudade que não some:
As primeiras cervejas
Os beijos de longe
As últimas certezas.

domingo, 10 de maio de 2020

A miragem no espelho

Sempre que me levanto
Às cinco da manhã
Tento ir levando
O cotidiano até amanhã
Dia de descanso
Para manter sã
A mente em desânimo
Amiga e vilã
A miragem no espelho

Quando eu acordo
Nas horas escuras
Abro mais os olhos
E a minha cuca
Por algum propósito
Fora da curva
Para o repertório
Que não se escuta
Neste velho aparelho.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Alguém na vizinhança

Alguém na vizinhança
Punha a gente na dança
Desde o início da pandemia
Às vinte horas, todos os dias
Por quinze minutos
E, ao final do festejo curto,
As janelas aplaudiam
Num frenesi absoluto
A cada apresentação temática:
Beatles, Brega, Jovem Guarda,
Sertanejo, Frank Sinatra,
Disco, Dance, Timbalada
Mas, de umas semanas pra cá,
Ninguém mais ouve
O som doce que saía do seu andar
O que será que houve?

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Uma diferença peculiar

Uma diferença peculiar
Entre o que parece
E o que faz lembrar
Uma cizânia simbólica
Entre o que transparece
E quem olha
Uma contenda aguda
Entre o interesse
E o quanto se lucra
Uma discrepância sutil
Entre o que perece
E o que já sumiu.