quinta-feira, 26 de março de 2009

Dentes em ideias

Extraindo as vísceras
Eu me sinto meio vazio
Toda alegria é mísera
Quando se compra o sorriso
Na promoção ou na rifa
É maremoto dentro do navio

Extirpando as artérias
Parece que tudo está ótimo
Exponho meus dentes em ideias
Antes que eu tenha um troço
Por temer a reação da plateia
E a revelação da foto

Os dias se dissolvem
As tardes não mais se arrastam
Aliadas às madrugadas móveis
As noites se tornam aladas
Que nem a de onze de junho de setenta e nove
Em caso de cansaço, pé na estrada.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Só pelo medo da perda

Mudei de perfume
Menos a cor do frasco
Mudei de costume
Mas não como falo

Mudei o trajeto
Exceto o combustível
Mudei o ingresso
E removi o vírus

Mudei de residência
E quem mora aqui
Mudei de vestimenta
Que nem as marcas do tempo, souvenir

Mudei, não por brincadeira,
Realizei o backup
Só pelo medo da perda
Que não mais cabe.

Enésima feira

O corpo é patrimônio
É porco o seu abandono
É o insólito modo de ser dono
De algo além do sonho

Eu não sou tricolor
Tão somente por causa do meu avô
Tento dosar os derrames de amor
Mormente para recordar de que sou

Os óculos escuros represam
O choro de uma íntima tristeza
Enquanto o ônibus me arremessa
Para mais uma enésima feira.

terça-feira, 17 de março de 2009

Para todas as horas

Escrevendo certo
Por teclas tortas
Sonho desperto
Para todas as horas

O clima é tenso
E a rima, pobre
Pra desanuviar penso
Por esporte

A lua míngua
O céu reflete
As janelas xingam
E jogam confete

Além do corpo
O ânimo tem cansaço
E saudade do pouco
Êxito e de alguns fracassos.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Aos sinais

Não vou falar nada
O tempo é o meu porta-voz
É o dono da palavra
Que desata todos os nós

Não vai ficar só na garganta
O que está difícil de descer
Ainda que não me garanta
Por enquanto que vá acontecer

Vou andar quieto
E atento aos sinais
Dos trânsitos, sutis e diretos,
Chega de tantos charcos emocionais

O que eu articular
Não será escutado
Exceto pelo olhar
De quem estiver ao meu lado.

sexta-feira, 6 de março de 2009

As águas

Levo-me pela força das águas
Da moça em lágrimas
Mas nunca pela forca da máquina
Tampouco pela muita ou pouca mágoa
Que num dia se lava e passa

Como esta poesia de escape
Nostálgica do cinema de rua, do lápis
E dos problemas de matemática fáceis
Até dos axiomas de Descartes
Tem uma cômoda saudade

Eu troco o meu reino
Por uma máquina do tempo
Mas, pelo que me lembro,
Tudo entrará nos eixos
As águas perpassam os seixos

As passadas não movem moinhos
Porém, quando chove, traçam os caminhos
Com seus atalhos e desvios
E limpam os meus olhos, que ficam vazios
E propícios a uma visão sem desvarios.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Lampejos de neblina

Eu sou a minha cópia
Inválida e autêntica
Com firma desconhecida

Eu consigo me imitar
Sem que soe falso
Sem que me mate
Alegando trote

Eu sou o clone da minha obra
Para além da transparência
Lampejos de neblina

Só poderei caminhar
Entre o primeiro passo
E o derradeiro arremate
Depois depende da sorte.

Sob a sombra do poste fino

Escutando uma canção
Do outro século
Sacode meu coração
E atrela o meu cérebro

Parece uma nostalgia
De quando era mais moço
E toda a minha perspectiva
Poderia caber no bolso

Aguardo o coletivo
E me resguardo do sol
Sob a sombra do poste fino
Pensando que há coisa pior.

terça-feira, 3 de março de 2009

Sabores e saberes

Devo ser sempre grato
Aos meus problemas
Que pesam uma pena
Perto de outros pratos

A qualquer entrave
Que me é posto
Não posso virar o rosto
Fico sem ver a chave

Não mais confundo
Cuidado com covardia
O estorvo nosso de cada dia
É uma prova deste mundo

Costuma ser azedo
Mas há diversos sabores
E saberes para os dissabores
Dissolverem-se bem como o medo.

A renúncia é a pronúncia da urgência perante a denúncia do advento do nunca

Através do teclado duro
Vomito o que entala o pescoço
Compreendo, contudo não aturo
Rigidez o tempo todo
Acaba me deixando murcho
Sem charme nem chance no jogo
Até parece que o ar é seguro
Trata-se de sufoco
E eu espero por qualquer futuro
Fora deste destempero oco
Para me sentir lúcido
Como nunca fui ou de novo.