sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

704

O meu lar
Não é cela
Nem lugar
De procela

Segundo Tim Maia
Eu quero sossego
Na minha casa
E um quilo de desapego

Setecentos e quatro
No centro da cidade
Não é só um quarto
É mais do que a metade

Deste apartamento
No sétimo andar
Desenho meu reino
Ou fortaleza, sei lá.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Com aquele ar

A hora passa
Com aquele ar
De atrasada
Mas vai chegar

As férias voam
Enquanto penso
Mais do que a folha
Submissa ao vento

Mais do que o esqueleto

Meu corpo é onde habito
O sopro da minha delícia
Todo o meu débito
Troco em pele e perícia

Ergue-se o conteúdo
Mais do que o esqueleto,
Supera o que discorro e escuto
A torto e a direito

A minha carcaça
Abraça o lugar em que moro
E me ligo na casa
Que de mim eu decoro.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Holografia

Com a solidão
Ando e aprendo
Quando não me prendo
À solicitação

Talvez nem à que defendo
Na beira do verão
Na feira sem autorização
De qualquer referendo

O repouso pintou
Em boa hora em detrimento
Do mau tempo
O corpo se horizontalizou

A chuva aguou menos
Do que hidratou
A holografia do que sou
E do que estou sendo.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Descanso volátil

No descanso volátil
Na volta do coletivo
É preciso ter tato
E os outros sentidos

Evasivos do fato
Apenas científico
É algo tão tácito
Quanto o paraíso.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Perdição sugerida

Para outra ocasião
A perdição sugerida
No atacado, sem prestação
Com desconto e à vista

Sem poesia, eu morro
Pescando algum brio
Aos meus olhos rotos
Pelo sol febril

Com a camisa de ontem
E a cara de vanguarda
Vagueio no horizonte
Na fronteira minada

Entregue aos eventuais
Instantes de cinema
Deixo-me fluir mais
O filme não queima.

Farto de mistério

Eu apenas quero
Uma cena, um papel
Um papo sério
Algo palpável

Sem lero-lero
Levo o céu
Ao inferno
A par, ao léu

Farto de mistério
Passo a ser eu
Pasmo, espero
O que aconteceu.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Continuo comigo

Eu sou o que quero
Ainda que aborrecido
E um pouco aéreo
Continuo comigo

Eu quero ser o que sou
Embora eu ignore
As nuances do amor
Adoro mais uma dose

O dilúvio incessante
Hoje teve fim
Doce diante
De tudo de mim.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Tempos corridos

Verificando o excesso
De espaço entre as palavras
Observo o silêncio histérico
Mais loquaz do que a fala

Averiguo e corrijo
A falta de concordância
Nestes tempos corridos
Entro descalço na dança

Nuvens misteriosas no teto
Rebolam ao redor da porta
Um novo mundo está perto
As estrelas reportam.

Boa viagem

Eu escrevo como
Se me pusesse nas linhas
Não quero pensar, sonho
Em aprender igual a quem caminha
De modo ambulante
Para o sol abundante
Feito este instante
Sem depois nem antes.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Ao lado dos pássaros

Com a coluna moída
E a vista cansada
Capturo alguma vida
Na pista ou em casa

Com a cabeça alerta
E os pés alados
Ando voando na terra
Ao lado dos pássaros

Aonde chegarei
Estou para descobrir
Bruscamente eu sei
Eis-me aqui.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Pacto tácito

Novos ventos
Removem as teias
E nos põem em rede

Tantos adventos
Chovem as idéias
Antes imóveis e verdes

E nem se mensura
Ainda o impacto
Da revolução veloz

Na manhã futura
Validando o pacto
Tácito entre todos nós.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Papo de signo

Para que eu me safe
Eu me restauro
Tendo à vontade
Entre o raro e o extraordinário
Sou assim de praxe
Caso contrário
Não passo de fase
Pauso mas não paro.

Corro o risco
Cerro o curral
Corrôo o disco
Quero carnaval
E poesia a quilo
Contra o caos
Pode até ser papo de signo
Nada fica igual.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Delícias e deslizes

Quem não disse
Que todos têm
Delícias e deslizes
Desejo e desdém?

Dispenso estar sujeito
À mudança brusca
De humor e de jeito
A culpa não é minha nem sua...

Quero viver mais pra mim
Poder respirar de novo
O ar que pedi e perdi

Existo, logo me movo
Cada um sabe só de si
E não do outro.

domingo, 25 de novembro de 2007

Intrínseco

Eu queria ter, na moral,
Uma máquina do tempo
Mais do que a bola de cristal

Não é nada disso
Eu nem me arrependo
De ter vivido e bebido

Tudo o que não lembro
Além do que está na alma intrínseco
Antes de qualquer momento.

Eu é que não vou

A cara ficará cheia
Feito a lua
Se não ouviu, leia
As letras miúdas
Os olhares de esguelha
As frases sem pronúncia

Se não captou
Como o poste
Eu é que não vou
Pedir que aposte
Na onda retrô
Por mais que se goste.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Espantosamente óbvio

Não tem nada a ver com medo
É que saboreio
O abraço frio
Nas noites sem brio
E nos dias infames
Sobretudo quando abro os olhos
Não é que eu reclame
É espantosamente óbvio
Não quero pensar direto
Em rimas ricas
Em palavras bonitas
Para atenuar o que sinto
Que é tão concreto
Quanto o meu espírito.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Logo

Enquanto espero
Ajo
Acho
Que não é desespero
Chegar logo
Num lampejo
Antes do relógio
Se é o que quero

Enquanto ajo
Espero
Espeto
O tempo ágil
Não é onça
Nem vara curta
Parece ânsia
Mas me educa.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Em construção

Eu não sei sobre o que escrever
Enquanto penso num verso
Que possa comover
Como num passe, escrevo.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Tudo se aglutina

Sei que me absorvo
Na cada vez mais
Frenética rotina

Mas não estou morto
São muitos rituais
Para as minhas retinas

O tempo todo
E nas horas surreais
Tudo se aglutina

Entre o piloto
Automático e quem faz
O que antes não tinha.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Mas é como se estivesse

Meu olhar parece assustado
É que é um bocado aberto
Ainda não acabei o quadro
Nem da metade está perto

Mas é como se estivesse
E nem me intimido com a necessidade
Intuição e interesse
Para minha integridade

Entre o que foi e as sobras
Desconsidero que janto
As dores sóbrias
Só por enquanto

Rio sozinho
Ao arrotar que sou capaz
De saber do caminho:
São futuros demais.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Batendo braço com o caos

Enquanto não abraço o cais
Fico em pedaços, à deriva
Batendo braço com o caos

Enquanto estiver festiva
A compreensão dos sinais
Bato papo com os convivas

Enquanto passam mais
Violentos os dias
Vocifero vento nas naus

Enquanto no ar soar vida
Os naufrágios não serão maus
Com terra à vista.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Com certeza

Aparo as arestas
Paro de enxugar
Gelo com a testa
Degelo o olhar

Com certeza
Há muitas
Correntezas
Sós e chuvas.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A partir

Ninguém me proíbe
Tampouco me coage
Sou louco e livre
Suporto a minha coragem

Não perco mais cacife
Muito menos o controle
Sou pleno e simples
A partir de hoje.

sábado, 27 de outubro de 2007

Tantas vezes

Parece que a alegria
Pouco dura
Quando aparece a crítica
Muito dura

Mas não me esfrio: agradeço
Aos céus
Se fico de joelhos
Aos seus

Ao saber pelo sabor
Em lavras e livros
A subir por amor
Em abraços vivos

E tão remotos
Quanto os deuses
Que devoto
Tantas vezes.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Sempre há um espelho

Conte-me as coisas boas
Quero viver conhecendo
Embora não ocorram
Todos os eventos

Preserve-se das pessoas maléficas
De olhares sebáceos
Desapegue-se do ego e de outras merdas
Sem perder o passo

Pense no sol
Ao despencar água
E no arrebol
Se a noite não acaba

Quando aconselho
Não é só pra você
Sempre há um espelho
Mas quase ninguém vê.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Pelo olhar grato

Reconheço o quão é difícil
O período de adaptação
Ao novo edifício

Pelo olhar grato, vem a solução
Do ladro do cão inocente
E da aparente contramão

Não mais se impressione
Com as queixas de madrugada
Que a deixam insone

E mal-humorada;
Meu amor, sigamos valentes
E ciganos elevando nossa morada.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Cisma ou sismo

Às margens do riacho
Nasce um seixo
Tão petrificado
Que quase deixo

Com as outras pedras
No meio do caminho
Feito de ondas de idéias
Batidas por cisma ou sismo

Na periferia do meu núcleo
Palpita o sonho capital
Sob um esforço hercúleo
Lapida todo o calhau

Desafogando o andamento
Do sangue e das imagens
Para que apanhe a tempo
O que há tempos me invade.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Se agora sugere agonia

A culpa cáustica me cai
Sobre a cuca e os ombros
Por causa dos meus pais
Ou dos meus escombros

Se hoje me preocupa tanto
A dúvida desconfiará depressa
De si e do costume estranho
De conservar o volume da pedra

Sem provas cabais, com o dolo
Duelo enquanto puder, como réu
Provando a meu bel-prazer o bolo
Que o belo cosmo me deu

Se agora sugere agonia
Algo surgirá num futuro farto
De pão, paz e poesia à revelia
De qualquer quilo a mais do fardo.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Todavia é a vida

Jazer na cama rígido
Só me incomoda
Deixo correr o rio
E girar a roda
Sem me corroer pelo rito
Ou ritmo da moda

A história é séria
E adora um carma
O tempo não cessa
A tempestade passa
Tipo uma peça
Teatral ou publicitária

Todavia é a vida
Em sangue
Em oxigênio
Em cuspe

E isso não se evita
Nem perante
O incêndio
Das nuvens.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Corrente

Desde muito antes
Amor até sempre
Atado ao moroso agora

Em contato inclusive
Com todos os tempos
Pela vida sobrevive

Alma arfante
Água corrente
De ar e de argola

É tudo o que temos
E nos prescinde
Caso nos soltemos.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Quase isso

Não continuamos verdes
O coração maduro
À consciência nada deve
Conta paga sem juros

Após a chuva de bons auspícios
Chafurda o senil fim no funil do sim
No lodo de um primaveril período

Sob o arco-íris
Sonhos em gotas
Fincam finas raízes
E frutas gordas

Sem delírios, sei que ainda não é assim,
Contudo me aproximo, já é quase isso,
Consigo caí de mim em si.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Para o moço mundo

Não gosto de me alimentar
A alma com trauma, rancor
E uma pitada de ódio

Meu negócio é a paz
Também aposto na arte e no amor:
Afastam os ratos do pódio

Estão mortos e sem gás
Para o moço mundo o temor
De sonhar e o infecundo ócio

O ego pífio não manda mais
No que constrói quem sou:
De artifício, só os fogos.

domingo, 30 de setembro de 2007

A coincidência é a prima chula da sincronicidade

Uma poesia é tão séria
Quanto uma brincadeira

Embora faminto
Não como
No sentido
Sólido
Até no limbo
Eu irrompo

Amor tão agudo
Quanto tudo

Mesmo sedento
Não trago
Ainda no relento
Um dia raio
Com uns duzentos
Livros diários.

A vida é tão capciosa
Quanto a medida das horas.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Segunda férrea

Em mudança consigo, às vésperas
Do domingo, do fim das férias
E da minha breve infância

Volto na segunda férrea
Para a nauseabunda guerra
Ou, se preferir, a corrida da grana

Nos bastidores basta uma feira
Farta de supervisores e outras xepas
Chips e chopes também enganam.

domingo, 23 de setembro de 2007

Pachorra

Eu incendiaria
Se me esquentasse a sede
Se me encostassem na parede

Eu regurgitaria
Se não cuspisse no prato
Se não coubesse no espaço

Eu evaporaria
Se me pululassem os nervos
Se pulassem o que escrevo

Eu gotejaria
Se exprimisse via esferográfica
Se imprimisse lágrima

Mas expectoro os grilos
Sei que não adianta
Ficar intranqüilo
Toda hora é santa.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Moro e morro

Remoção bissexta
Dos fantasmas em pó
Com uma vassoura velha
No apartamento da bisavó

Graças à brisa
Da Guanabara
Pela vidraça fina
A vista não se embaça

Na rua da Conceição
Entre o Niterói shopping
E uma filial da Compão
Moro e morro feliz, sem neurose.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

À lei do probo fluxo

Quando não sei
Se tenso ou turvo
Fico à vontade dela
Lufada de primavera

Eu me rendo à lei
Do probo fluxo
E me prendo à flecha
Para o seu coração

Não me julgo rei
Nem senhor absoluto
De tudo em mutação
Sou uma gota e um grão.

Pão, leite e lâmina

Pão integral
Temperado com bolor
Bem que perdurou
Para surpresa geral

Leite desnatado
Com sabor azedo
Nem foi cedo
Ou vencido rápido

Lâmina de barbear
De uso único
Até que tirou por muito
Tempo pêlo do lugar.

domingo, 16 de setembro de 2007

Vaga-lume

Acho que me canso
Do que sou
Quando fico manso

Enquanto estou
Neste plano
Ainda estanque, vou

Às vezes rude
Noutras doce
Bem de saúde

Como se fosse
Um vaga-lume
Entre o dia e a noite.

sábado, 15 de setembro de 2007

Alma e magma

É passada a página
Apesar e por causa
Do mar de mágoa

Prossegue a marcha
Sob manchas e marcas
Anticâimbras e mágicas

Embora amargas
São tão magnas
Quanto as camadas

De alma e de magma
Antes da hora do nada
Que demora uma tonelada.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Algumas algemas

Não é que eu suma
Em algumas algemas
Pra entrar na sua;

Não é que eu tema
Notícias soturnas
Jugulando poemas;

Não é que eu durma
Enquanto me acenam
Insônias ininterruptas;

O nervo do problema
É que, em cada luta,
As palavras me queimam.

domingo, 2 de setembro de 2007

Místico nexo

O afugentamento perene
É um imenso desperdício
Uma pedra e um tiro no pé quente,
Inquieto e adepto do que é difícil

Pela reminiscência vã pesco
De manhã o que foi dito ontem
Contudo em nome do místico nexo
Tudo será mais veloz do que um download.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

A respeito de nós

Ninguém mais conhece
A respeito de nós
Do que os dois

Ninguém esclarece
A despeito da barra
O que nos agarra

Ninguém nos atrai
Tanto quanto eu e você
Apenas os espirais

A nos remeter
Às vidas remotas
O devir denota dever

Além de você e de mim
Ninguém nos derrota
A paz é o nosso motim.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Aos poucos

Às franjas do eclipse
Do que fui e da lua
Arranja-se sublime
Aquela idéia sua

E eu nunca ouvia
Embora suspeitasse
Em acordar num dia
Que aos poucos nasce.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Senso ainda

Mais do que contemporâneos
Antes de cada dia
De todos os anos
Há senso ainda
Em sutis circunstâncias
Algo sugere coragem
Por gentis concordâncias
De qualquer parte
Sem essa de rivais
Impondo raivas
Eternas e atemporais
Andemos com calma
Saboreando o vento
Sabendo que não é pó
Para tudo tem tempo
Debaixo do sol.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Além da quarta parede

Remando no mesmo bote
Cada um tem seu colete
E se acode como pode
Além da quarta parede
Sem pensar em perigo
Cada um na sua garupa
Você consigo, eu comigo
Assim ninguém se culpa.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Às curvas da estrada

Recebo o que solicito
E agradeço de coração
Às lágrimas num misto
De alegria e de aflição

Exultante porque existo
Mesmo abatido pelo furacão
Estou leve e tenho mantido
Sob disciplina a libertação

Não há nenhuma nostalgia
E a crise de abstinência
Não sabota mais a saudade sadia

A partir de hoje rege a consciência
De agir o que antes eu preteria
Por covardia e indolência.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Leveza

Sou profundo
Mas não vou ao fundo
De onde me afundo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Serenos papos

Mudo fico
Quando faço
Mímica difícil
À crítica de aço
E prolixa, prefiro
Serenos papos
Em outros retiros
Com menos sopapos.

Tudo refino
Quando deixo
O verbo fixo
No desfecho
Dos velhos ditos
Eu me mexo sem medo
Dos mexericos
Sem nenhum mesmo.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Mundo bárbaro

Mais novos ângulos
Do que as conversas
Patinando no pântano
Paulatinamente submersas

Menos anteontem
Do que sempre agora
Num dia como hoje
Para a noite incógnita

Oriundo de um cenário
Absurdo e factual
Gira o mundo bárbaro
Pronto para a cal.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Hiante

Sob a inércia inicial do papel branco
Uma idéia sem véu e colorida
Pela tinta que não mais estanco
Ainda que seja pranto ou sangria

E a coagulação caça hiante
Em espaço hígido e ermo
Um hausto de rijo instante
Para o regozijo de mim mesmo.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Sem desconto

Castelo dirigível
Feito de feitos
Fincado no solo
Fértil de solidão

Produto digerível
Apesar dos efeitos
Tudo sai pelos poros
Perto do porão

Terreno pronto
Para alçar voo
E alcançar o sonho

De quem eu sou
Sem desconto
Ao que sempre me ecoou.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Tanta vida

Existe tanta vida
Na planta silente
Na invisível formiga
No mendigo sem dente
Que sinto menos morte
Do que renascimento
Mesmo que algo sobre
Daquele setembro.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Cacos

Sobre o piso
Avisto cacos
De duas vidas
De muito vidro
Engulo percalços
Abocanho saídas

Atrás de um sorriso
Sigo apático
Por cortesia
Por vício
Todo cuidado
Convirá um dia

Paisagem difícil
Nos livros didáticos
Nas bulas e na bíblia
De qualquer paraíso
Futuro ou nostálgico
Com acesso só de ida.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

O tempo

O tempo ensina
A encontrar paciência
A aspirar disciplina
O tempo compensa

O tempo é sutil
Nos contratempos
Do rumo singular do rio
O tempo é ciumento

O tempo é aliás
Nos frutos e escombros
Tudo o que fica e o que vai
O tempo se conhece longo.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Milagre

É deveras fácil
Devotar um santo
E depois culpá-lo
De eventuais quebrantos

É bastante simples
Esculpir sonhos com gesso
Para seguir medroso e medíocre
Em ombros alheios

É difícil e tangível o milagre
De adocicar a existência acre
Acreditando no que há dentro
De mim, de quem dependo.

Cósmico ninho

Em todos os cantos crises
Em todas as bocas armas
Exclusivas, moças e infantis
Cospem balas amargas

Em todos os canais
Extermínios e enganos
Tantos que viram banais,
Lucrativos e até humanos

Em todas as faces
Máscaras e botoxes
Escroques e afáveis
Em fisionomias imóveis

Espero ser salvo
Faço o que posso
Mas está tudo errado
Neste mundo nosso

O amor é o conserto
E a gentileza, o caminho,
Mesmo que o dinheiro
Seja o deus do cósmico ninho

Vamos embora
Para bem longe
O futuro agora
Está com fome.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Efeito bumerangue

Alguém ou algo
Deve notar do alto
As iniqüidades

Eu acredito
Na justiça sublime
Para ter sentido
Esta vida, este filme

Algo ou alguém
Deve ver do além
Não é miragem

Se eu não cresse
No efeito bumerangue
Seria só esqueleto, tez,
Dinheiro e sangue.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

O doce vem depois

Não me agrada
Vê-la sorumbática

Muito me revolta
A míngua de portas

Mas após a procela
Todas serão abertas

Num dia nada distante
Ou no contíguo instante

Em perfeita sincronia
Com o que se imagina

Dentro de nós dois
O doce vem depois

Deste almoço
Nutritivo, insosso

E engolido ainda
Matando a fome de vida.

Um dia longo

Entre a angústia e o consolo
Respeito meus confins
Para transpô-los
Com menos temor
Do que ditam os outros
Tudo se elucida pra mim
Feito um sonho
Que esqueço como foi
E quando acordo
Tento fazer um boletim
Desta vida que é um dia longo
Reconhecendo quem eu sou
Aprendo de novo
A cuidar do nosso jardim
O tempo todo
Sem repetir o que o ego causou.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Sobre o solo, sob o sol

Tijolo por tijolo
A casa se ergue
Sobre o solo
Que não mais cede

Às cobranças vis
Da soberba vã
Sob o sol que desdiz
Sóbrio de manhã

O que se difunde
Em axiomas de estátuas
Ou atrás de nuvens

Forjando tempestade
Em xícara d`água
Pra guardar balde.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Suco drástico

Quando o boato
É mais convincente
Do que o fato

Quando a elegância
Só se faz presente
Nas propagandas

Quando o estro
É exilado no saco
De versos canhestros

Quando a ousadia
É distribuída no frasco
De senis aspirinas

Eu me sinto diluído
Pelo suco drástico
Do destino no intestino
Abstruso e exausto.

Perfume impune

Na minha palma
Seu perfume
Impune me acalma
E me nutre

Todo santo dia
Demando ao relógio
Um pouco de correria
Quero voltar logo

E sentir o seu cheiro
Não só o que continua
Mas do corpo inteiro

E da alma inclusive
Para resistir na rua
Da manhã seguinte.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Dissecando meu âmago

No duelo contra o ego colossal
Ganho, contanto que eu saiba
De mim e sangro igual
A quem se embaça
Sou meu próprio canal
Por onde a vida se propaga
Decidida em me dissolver
Os receios no pântano
Durante o passeio com você
Dissecando meu âmago
Que não é o que se vê
No espelho quando me espanto.

sábado, 23 de junho de 2007

Pedaço de luz

Pesadelos intermitentes
Sobrevoam toda noite
A minha mente
Como se moscas fossem

Sonhos latentes
Condicionados há muito
Tempo de repente
Condenam o que indulto

Eu caço uma nesga
De calma aos nervos
Um pedaço de luz apenas
Para dissipar o nevoeiro

Talvez enfim veja
O que já imaginava
A fim de tragar sem cerveja
O que traz a palavra.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Combinados encontros casuais

Eu bem me lembro
Dos idos de setembro
Combinados encontros casuais
Pareciam nada demais

Depois do chamado
Pelo telefonema
Que esperava ser teu
Entendi todo o recado
Quando foste a primeira
A saber o que me aconteceu.

Eu nunca me esqueço
Do convulso começo
Das invasões consentidas
Das orientações invertidas

Tantas intempéries
Nós superamos
Entre o fado e o arrojo
As ondas em infindas séries
E nos seguramos
Se não por amor, ignoro como.

sábado, 16 de junho de 2007

Fortuna

No primeiro instante
O sério semblante

Tão pulcros os cílios
Que parecem postiços

O olhar raio xis
A sacar o que não se diz

Pacotes de sal
E de glicose para todo mal

O prato que limpa
De fato com a língua

O pé que não pára
E a guimba imaginária

Tartarugas, sapos
Cobras e lagartos

O humor selvagem
Por ter sagacidade

A amizade canina
E a vaidade de menina

O amor sempiterno
Do céu ao inferno

E a alma despida
Capta toda a vida

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Só o tempo é perfeito

Sem beligerância
E com a antena
Em sintonia ampla
Limpa, leve e densa

O espírito é desarmado
E não desalmado
Para colher flores
No lugar de dissabores

Larguemos as pedras
Quase perpétuas das mãos
E seguremos as rédeas
Que no vôo nos dão chão

Sob o mesmo teto
Sob o mesmo céu
Só o tempo é perfeito
E nós, você e eu.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Nada rasos

Ciente de que não me redimo
Com os futuros versos
Ainda que sinceros
Admito que um mimo
Meu é o mínimo
Para que alcancemos
O que unidos somos
A par dos nossos passos
Aparentemente anacrônicos
Mas nada rasos
No resgate dos sonhos
Reféns do acaso.

domingo, 10 de junho de 2007

Após agora

Engaiolado na pasta
Setecentos e quatro
A comoção me alça
Ao som de pássaros

Éramos Pangéia
Uma lírica idéia
Antes das ilhas
Autônomas e ridículas

Após agora
Ignoro a bóia
Tanto para o almoço
Quanto para o socorro.

Sei

A mudança não veio
De ti
Todavia foste o meio
De distinguir
Nalgum dia
Sem sacar
O que já sabia
Como respirar

O que olvidei
E ainda sei

Eu me abrolho
Para fazer jus
Ao logradouro
Onde me dou à luz
Líquido amniótico
Vira vinho ao brinde
E que os copos
Não nos duvidem

Como duvidei
Mas agora sei.

sábado, 9 de junho de 2007

Delírios sãos

Sincronicidade demais
Para se reduzir à coincidência
Diante do que demos
Entre o sono e a dança
Delírios sãos de tão iguais
Ao que se dá apenas
Para nós dois dentro
Da paciência e da ânsia.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

No susto

Eu te amo tanto
Que não sei o quanto
Mas enquanto
Não descubro
Eu te cubro
Com um monte de mantos
E ósculos bruscos
Pra te aquecer no susto
E me esquecer da busca
Lógica e burra.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Cortes secos

Mantenho o regime
A renúncia do reino
Rompo o hímen
Feliz e sonolento
Com um filme
De cortes secos
Desde o umbigo
Passando por desfechos
Rudes e amigos
Cenas sem nexo
Mas só no início.

domingo, 27 de maio de 2007

Espelho vão

Opção pela solidão
Suicídio lento
Espelho vão
Vida desprovida de tempo
Sorriso chorando por razão
Abraço do vento

Confesso que às vezes
Careço ficar sozinho
Mas não é do meu interesse
Um monólogo vitalício
Como se eu quisesse
Ser meu exclusivo.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Nova conquista, mesma mulher

Todo dia é uma nova conquista
Da mesma mulher
Para sempre benquista
E desperta à base de beijos e café

Qualquer instante é uma chance
De um gesto do coração
Inquieto por algo mais no sangue
Que os carinhos dão.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Íntimos e indivíduos

Abraços de edredom
Afugentam o frio
Requentando em nós o dom
De domar o ego mesquinho
Cuja altura só há no som
Não lhe demos os ouvidos
Muito menos as mãos à solidão
Somos íntimos e indivíduos.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Além de climas infames

Passou o começo
Estamos no meio
E o arremate já veio
Com os ecos primeiros
Através de tempestades
Secas cruéis e tsunamis
Que o asfalto invadem
Além de climas infames
A natureza contesta
A humanidade desonesta
Anestesiada em festas
Incendiando florestas
Abarrotando artérias
Endeusando a matéria
Olvidando o que nos espera
Nas nuvens da nova era.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Algum sossego

Não mais hesito
Em falar que existo
Entre efeitos e ensejos

Não é demais o que exijo
São sonhos que erijo
Demolindo pesadelos

Tudo quanto extingo
Do ego ainda é exíguo
Para algum sossego

terça-feira, 17 de abril de 2007

Mina de versos

Versos a granel
não brotam do papel
nem se soltam do céu
mas se pescam
da selva de merda
como leite de pedra
fico atacado
fito o mercado
e bulhufas vejo
poeticamente a varejo
somente através do seu beijo
circunspectamente zombeteiro.

Do que a vida nos dispõe

Eu sei que você sabe
Que nos amamos
Não há nada que nos separe
Nem vinte e poucos anos
De pequenezas e vaidades

Você sabe que eu sei
Que não é de hoje
O que temos de aprender
Nunca nos foge
Nem sob decreto-lei

Nós sabemos de nós
Embora duvidemos
Do que a vida nos dispõe
Do eixo aos extremos
Mas não expiemos depois.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Sem redoma nem fiasco

Quero as primeiras horas da manhã
Anunciadas pelos angelicais pássaros
Voando conosco como ímãs
E filtros diligentes do futuro presente passado
Obremos pelo frescor
Sem redoma nem fiasco
Abrindo o frasco
Do aroma do amor
No ar suspenso
Bailando no arrebol
Os deuses em consenso
Oram o melhor para nós.

Flores e farpas

Peço que me desculpe
Apesar da raiva
Do que se discute
Quero que saiba
Que nos são úteis
As flores e as farpas
Pra perpassarmos túneis
Com a querida luz calma
Qual sol entre nuvens
Inócuas e diáfanas
Afastando ciúmes
Em prol do amor que nunca enfada.

sábado, 7 de abril de 2007

Oásis apesar de tanta secura

Toda impossibilidade é possível
de ter este sentido inalterável
para justificar a pusilanimidade
e a indolência diante dos obstáculos
eu gostaria de me abster da carne
de romper os grilhões da idolatria do paladar
de ficar surdo aos apelos da egolatria
de acreditar no oásis apesar de tanta secura
da futura alquimia da água em petróleo
além da desertificação da humanidade já pálida
porque ao amor passei a abrir os olhos
há alguns meses para lavar a alma
e levá-la para um passeio depois
desta travessia com travesseiro
e lençol doados pela bela lua e pelo gentil sol
em busca conjunta para todos os paradeiros.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Para além e para dentro

Que você me cuide
Como um rebento
Que você me desculpe
Quando nos desentendemos
Que você me insulte
A qualquer momento
Que me dê saúde
Ciúme e condimento
Que você me mude
Para além e para dentro
Que você me ature
Sem arrependimento
Que você me triture
Com seu olhar suculento
Que você me estruture
Com o nosso cimento
Que você me abuse
Mesmo sem meu consentimento
Que você me procure
E me ame cem por cento
Que você me sepulte
Se não estiver correspondendo
Que você me escute
Como sempre, via pensamento.

A cada minuto

Nademos nus
No mar escuro
Em busca de luz
Ao nosso futuro
Que se produz
A cada minuto.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Amnésias e paranóias

Eu não me recordo
Se o meu representante
Fez uma espécie de acordo
Com alguma candidata à gestante

Eu não me rememoro
De ter negociado meu nascimento
Mas hoje não passa de um dia remoto
Entre primeiro de janeiro e trinta e um de dezembro

Amnésias à parte
Já que estou aqui
Preciso fazer arte
Pra me salvar de mim

Paranóias de lado
Eu estou tão certo
Quanto amedrontado
Do meu amor concreto.

sábado, 31 de março de 2007

Aqui é horizonte

Longe do mal
Quase monge
Calmo e magro
Aqui é horizonte
Calvo e espiritual
Já sobre a ponte
Não mais no palco
O tempo vai aonde?

quarta-feira, 21 de março de 2007

Para Lennon e Jobim

Não quero mais nenhuma utopia
Tento ser impossível
Talvez aconteça algum dia
Quando estiver vivo

Cuspindo bem no ralo da pia
Sem descer tanto o nível
Já desumano do mundo em agonia
Arrisco-me em ser impassível.

quarta-feira, 14 de março de 2007

Do que fez a casa da flor

Arte em estado bruto
A partir do lixo
Do que é inútil
Do que não faz sentido
Do que fez a casa da flor
Gabriel Joaquim dos Santos
Dá um toque divino
Em cada arranjo
De pedra, de ladrilho
Do que não tem valor
Arquitetura de preto
Fora dos bancos escolares
Vindo do nada e perto
De todos os lugares
Dentro de São Pedro
Pedaços de lares.

sábado, 10 de março de 2007

Gris

Tudo aceso nesta tarde
com sabor vazio
nos meus olhos que ardem
a buscar abrigo
na sua boca
na sua carne
no seu espírito.

Tudo escuro neste dia
e o sol a pino
na minha cabeça fria
com que ilumino
meu silêncio
minha escrita
meu destino.

Gole de sol

beber o oceano num gole de sol
pintar a parede do quarto de azul
caminhar com as nuvens do céu
que as daqui não saem no jornal
do dia do povo do globo do brasil

não há mais notícia
pode ser outra preguiça
diálogo de missa
dominó na praça
ainda me interessa
aquela sobremesa
dentro da cabeça
o tempo traça

devolver a concha
desenvolver os cachos
envolvê-la nas coxas
resolver no abraço.

Estrelas e planos

Enquanto chove
tomo banho
só quando choro
não sou estranho
aos meus olhos
coloridos castanhos
e os molho
na virada de ano
da mesa de todos
estrelas e planos
e quando acordo
o que está de acordo
ainda com meu sonho
é a água do oceano
a mágoa de ser corpo
ainda neste plano.

Enquanto não

enquanto o dia não vem logo
tento controlar o fogo
entre a água e o ar
vendo filmes noir
dentro do meu olhar
o claro no escuro

enquanto não chega a estação
toca quase sempre aquela canção
no rádio já com algum ruído
depois de ter tanto ouvido
no meio de qualquer sentido
o fato é que ainda escuto

enquanto não sinto o seu abraço
imagino um verso fácil
para completar o poema
para compilar os problemas
para confiscar as algemas
que dos pulsos expulso.

Códigos

aquilo que estava sendo escrito
aniquilo ao mesmo tempo que crio

imagens
palavras
mensagens
codificadas

em tudo o que eu não sabia
e fui aprendendo com o dia-a-dia
a que minha consciência é alheia
e minha essência odeia

não sei se tanto faz
não sei se me satisfaz
seu beijo de capataz
de outros carnavais.

sexta-feira, 9 de março de 2007

Só chovo

Mesmo sob um sol
De frigir ovos
No frio em que estou
Não raio, só chovo
Não há inferno maior
Do que não ter devotos
Devolvo todo meu torpor
E aceito com gosto um copo.

Radicalmente flexível

Conte-me o que não entendo
quando vivo
eu me rendo
sou radicalmente flexível
cabelos ao vento
entrando nos ouvidos
se não me contar, compreendo
o filme é comprido e será cumprido.

Por mais

Por mais que me isole
Não sou uma ilha
Quero que me olhe
Distinto da matilha

Por mais que eu fuja
Flutuo com meu ego aqui
Antes que nada refulja
Contra o cego ataque.

Perto de mim

Tento voar e ando em círculos
Na minha vida sem rumo
Como deve ter sido há séculos
Desde onze de junho
Tento destoar e sou mais um no circo
Sonho até quando não durmo
Enquanto não desperto, sigo
Perto de mim, senão sumo.

Perímetro perigoso

Perto da fronteira
Perímetro perigoso
A vida inteira
Respiro, logo ouso
Antes que a minha casa
Vire campo minado
Danço até na pausa
Um passo eliminado.

Não sei saber

Não sei saber
A lua já subiu mais cheia
Olho pra achar você
Enquanto não chega
Só a angústia precoce
Ou rusgas fisgadas da xepa.

O oposto do contrário

O oposto do contrário
Na linha tênue
Austeramente hilário
Através e entre
Deixando de tentar saber
Dinâmica perene
Apenas tendo o tempo pra dizer
Do nada, de repente.

Nem sempre é preciso

No olhar planeta
No espaço placenta
Na intuição essência
No tempo circunferência
No silêncio fulgor
Na linguagem do amor
Nem sempre é preciso
O dicionário que verbalizo.

Menos de Gêmeos

Não sou nenhum gênio
Mas não sou medíocre
Tudo o que sinto e penso
Pode se tornar um filme
Preciso ser menos de Gêmeos
E materializar o que resiste
Em mim há muito tempo
Assim é que se vive.

Isso

Parece que nada dá certo
Ando cada vez mais adepto
Ao Fernando Sabino
Esperto feito menino

Enquanto não colho
Semeio com os olhos
Aro a área aérea
Sempre à espera.

Ao pensar que é impossível
Isso chega
A fim de que um início
De mim se erga.

Continuação da estrada

Começo de uma jornada
Continuação da estrada
Constantemente adiante
Diante do instante
Seguinte num segundo
Agora não mais pergunto
Apenas escuto guiado
Pela dúvida, pelo dado.

Complô

Se não me engano
Não pedi pra nascer
Mas se estou no ganho
Ainda me resta viver
Sabendo que é um plano
Praticamente um complô
Sigo conformado pagando
O que alguém comprou.

Como se não soubesse

Aparência é tudo
Enquanto não aparece
Em todos os cantos o conteúdo
Da paciência em prece
Quase em queda cuido
Como se não soubesse
E me aprofundo
Num infindo sobe-e-desce.

Cardíaco estômago

Da chuva surrada de finados não vou falar
É assunto morto
As águas chegam pra lavar, pra levar, pra aliviar
O amargo gosto
Quando ignoro os efeitos bilaterais, colaterais
No meu cardíaco estômago

Ao saber do vento

Desmesura sob medida
Em doses tímidas
Loucura no limiar
Em poses normais
Apareço na história
E me perco na volta
A favor do tempo
Ao saber do vento.

Ainda que possua brilho

Ainda que possua brilho
A noite é sinistra e crua
Na busca de qualquer sentido
A verdade crepita e é bruma
Na minha cápsula de vidro
Consumo a solidão bruta
E muitas páginas do livro
Serão lembradas para nunca.

quinta-feira, 8 de março de 2007

Muito mais que 365

Cabeça cansada
Meta alcançada
Olhos vários
Cada dia que brinco
De viver é-me aniversário
Muito mais que trezentos e sessenta e cinco.

Mesmo escrito

Mesmo escrito por um destro
Pode ser uma idéia torta
Um sol belo num dia funesto
Um papel, um papelão que destoa
De todos que já fiz
Mesmo escrito a lápis
Não adianta borracha
Tampouco molhar no café
Que não amolece a bolacha
E nem se esquece a gafe.

A misteriosa chuva tradicional de Finados

Caminho de transformações
Caminhão de mudanças
Cama de premonições
Carma de outra infância.

Vozes ou vocês

O olor da
Chama amarela
Me recorda
Que não é lanterna

Vozes
Ou vocês
De você próprio
Alienado ou sóbrio

Cada um sabe de si só
É a nota predileta
Eu gosto muito do sol
Mas a lua é dos poetas...

Sentidos voláteis

as opiniões
os interesses
sentidos voláteis
o dia é frio
o dia é quente

meio vazio
meio cheio
copo indiferente

acredito na verdade
que me convém
depois é saudade
do que não mais vem
da forma que veio

o cristianismo
o platonismo
o maniqueísmo
e a poesia com seu contorcionismo
baila e se embriaga
nas barbas do abismo.

Massa da paisagem

o sal pro seu suor
o papel pro seu papel
peça da engrenagem
massa da paisagem

o sol pro meu amor
o azul pro meu céu
bilhete de viagem
filete, de passagem

poesia pra nossa dor
uma vida menos cruel
sem conformidade
com tal realidade

se a escravidão natural fosse
não haveria o chicote
se a situação se saboreasse doce
não a ceifaria a sorte.

Papéis

Hoje cedo muitos papéis foram embora
E outros tantos peguei lá fora
De dia na rua
Como ontem me lembrei de várias coisas
Um álbum arreganhado sobre as coxas
Frias e nuas

As ampulhetas nem sabem
Quantos grãos de areia caem
Nelas
E as portas se abrem
Ignorando as correspondentes chaves
Ou janelas.

Ontologia

os sentidos são fontes de volubilidade
de desilusão e não captam
a essência das coisas
apenas me fornece
aquilo que aparece
e mesmo com a mão no fogo
não terei o conhecimento todo

o ser é
e não pode não ser
o ser não é pretexto do saber
aceitar o tempo
é admitir o não-ser
o nada não pode ser
não é bem o vazio.

Não é você

Se eu pego o telefone
E ligo
Você não atende

Se eu desenho uma ponte
E explico
Você não entende

Se eu tenho fome
E grito
Você não sente

Se eu vejo um horizonte
E sigo
Você não vai em frente

Não, não é você
Sou eu próprio
Propício a ser
Indício do óbvio.

Extra, extra

Eu não quero falar com ninguém
Sobre as velhas manchetes atuais
Estupro, seqüestro, assalto,
Queimada, corrupção, assassinato

Eu nem paro nas bancas de jornal
Pra comprar sabedorias em pílulas
Pra babar pelo novo símbolo sexual
Pra invejar quem sorri nas revistas

Eu nem pretendo saber
Quem foi o autor do gol
Quem posou pra playboy
Quem casou com quem

Eu não li as notícias de hoje
São as mesmas de ontem
Que foram iguais às de anteontem
Que serão idênticas às de amanhã.

Entre a aparência e a essência

um jogo de espelho
um curto circuito
pensar a condição
do pensamento
a razão com a questão
acerca de si mesma
só se pensa aquilo que é
só é aquilo que se pensa
se não houvesse diferença
entre a aparência e a essência
não seria necessária a ciência...

Pode ser que eu tema

Pode ser que eu tema
Que tenhamos mais a ver
Do que problemas
Apenas eu e você
Na beira do mergulho
Do vôo da entrega
Do cego pulo
Sabendo quem nos nega.

quarta-feira, 7 de março de 2007

Comunicado

De repente, não mais que de súbito
Desce em mim um mercúrio
Ou sou eu mesmo que subo
Transpondo mares e muros
Pra comunicar o que há
O programa está no ar
A grama pronta pra pisar
E o cinto apertado pra decolar...

A propósito

Eu posso esperar para sempre
Desde que seja até amanhã
Há certas coisas que não se vendem
E o dinheiro fala mais alto
É a língua que todos entendem
Nem é preciso ser poliglota...

Depois da euforia, o cansaço
Depois do cansaço, a cama
Depois da cama, o banho
Depois do banho, a toalha


A propósito, tudo se faz estranho
Quando quero ir mais fundo
Atrás de estrelas de qualquer rebanho
De uma voz que pode ser dum mundo
Só meu ou seu ou do oceano
Povoado por peixes rotundos.

Eu posso tomar chá de cadeira
Mas prefiro o de caramelo.

Nojo e gozo

Escolha as suas armas
e me mate com um beijo
a sua língua serpenteando nos meus lábios e tártaros
nossa saliva escorrendo com a libido
nojo e gozo na mesma cena
e o filme já saiu de cartaz
sem nenhuma justificativa plausível
o cinzeiro transborda de vinho
enquanto bebo cinzas pela garrafa
o clima é nublado
e os nossos olhares ainda se encontram
mas nós não nos vemos.

Vida-filme

Quero passar uma poesia
Uma poesia pra passar
Pra passar por mim
Por mim eu quero
Um quadro pro mundo
Vinte e quatro por segundo
Três por quatro pra identidade
Sem pensar com profundidade
Quero filmar a vida
Quero viver o filme
Por toda a vida
Até após o fim do filme.

Versos perdidos

Voltando para casa
Depois de algumas horas
De muitos passos
Poucas despedidas

Entretenho-me com a dor
No computador desenho
Em letras que digito
Os versos perdidos

Na minha cabeça
Vozes e sugestões
Algozes e sujas
Para quem se deleita com a televisão

Talvez nada a ver tenha
Se puder - ou quiser - entenda
Venha os meus olhos ver
Vai ser melhor saber.

Sim

Sintonia fina
Sintomática
Sincronia
Simpática
Sim
Simples

Presença de espírito

Enquanto espero me conectar
Já estando de alguma forma
Vou vendo e vivendo sem cessar
Entre gafes e sucessos
Presença de espírito

Eu nem tenho um coringa
Pra sacar da manga
Não sei tocar moringa
Tampouco soltar a franga

Enquanto aguardo te encontrar
Já contigo de qualquer forma
Vou beijando e deixando de contar
As bocas e os segredos
Licença da libido

Desconheço os passos
Dados neste percurso
Sinuoso e de percalços

Esqueço os receios
Feitos desde o útero
E prossigo o passeio.

Pra quem sabe

Os dias estranhos
E familiares
Ao cinema
Estão impregnando
Bares e lares
De poema
Pra quem sabe
Como se abre
O túmulo
Quando se reconhece
O que aparece
No tumulto
De caras e cheiros
Cheios da cidade
Que enjaula e adestra
A inerte mocidade
Na internet só a imagem presta.

Possibilidade do absurdo

Eu vi as fotografias
Os fatos do dia a dia
E acredito que a possibilidade
Do absurdo seja infinita

Eu tenho asas e vôo sozinho
Para voltar pra casa, pro ninho
Pra inventar minha verdade,
O ventre do mistério da vida

Eu sonho sempre e muito
Conto e me aponto com o intuito
De atingir a transcendentalidade
Tácita, tão clara quanto implícita

Eu penso que não faço nada
Que sou parte da manada
Ainda bem que me arde a arte
Vinda de antenas e raízes vivas.

Outro limite

No verso de versos
Recomeço a captar
Luzes e reflexos
Na cruz de Cristo
Nasceu aquela era
Ressuscitou-se o mito
Nas ondas do som
Navego sem molhar
O cabelo e o calção
Na tipóia do braço
Alcanço outro limite
E não me canso por cansaço
No apoio do volume
Ponho tinta nas idéias
Para que elas continuem

O Menino

O menino é o vento
Dançando cabelos
De arvoredos
E de pensamentos

O menino é isento
De pesadelo
De morrer cedo
Antes de outro momento

O menino correndo
Competindo com o tempo
Esquece o que acontece
A prisão não lhe compete
Senão a da intuição
Que não é instituição.

Não passa de hoje

Hoje não passa de hoje
Não há tempo perdido
Exceto beijos partidos
Desde anteontem
Estaria sendo otimista
Vendado e vendido
Ao sistema capitalista
Venerado e vencido
Desde quando não passa
Na mídia-falácia
Em que tantos tontos
Dão crédito,
Dão o cérebro
Dão o coração no ponto
Bem passado e passa
Ainda para amanhã
Desde que não se faça
Absolutamente nada
À mercê desta tevê
Que sempre lhe deteve
Desde que você se entende
E por que a gente se prende?

Multiplicar esquinas

As palavras que passo
Passam por mim
Não são minhas
Mas me encaminham

Preciso persuadi-las
Para que eu possa
Andar feito Bob Dylan
Ou nadar como na bossa

As idéias me fascinam
E eu quero multiplicar esquinas
Verdejando a terra
Com chuvas de letras.

Mãos

Mãos loquazes
Mãos capazes
Aperto de mãos
Fazendo as pazes
Corpos irmãos
Que gesticulam
Que no ar pulam
Que apontam
Que com os dedos contam
Que cumprimentam
Que arrebentam
Que invocam
Que tocam
O instrumento
O queixo durante o pensamento
Quando se dispensa o cabelo
Mãos de carícia
Mãos macias
Mãos leves
Mãos mágicas
Mãos de vaca
Mãos bobas
Mãos outras
Mãos de mímica
Mãos que indicam
Quiromancia
Mãos santas
Mãos em prece
Mãos tantas
Mãos em concha
Mãos atadas
Mãos caladas
Mãos dadas
Mãos aladas
Mãos que escrevem
Que batem palma
Que se despedem
Que pedem calma.

Mais sentido

Parece que não deu em nada
Não é pra ser orgulhoso
No entanto eu nem tanto esperava
Falta pouco pra tudo ficar novo
O que sempre acontece
O que todos esquecem

Cada dia é uma despedida
Em cada coisa minha vista
Demora como se deslocasse
De forma íntegra para a retina
E a memória se refaz
E traz mais sentido para a vida.

Feito momento

Qualquer coisa
Coisa nenhuma
Casa com alguma
Porta sem fechadura
Somente abertura
Da mente que sobrevoa
Nuvens nômades
Cores sem nomes
No olhar se escrevem
E se esvaecem breve
Feito momento
Leito do pensamento
Deito-me no vento
Os pés pra fora
A cabeça pra dentro
Como quando se acorda
E se despreguiça
Para uma manhã vitalícia

Mais nada pra mostrar senão...

Eu não tenho mais nada pra mostrar
Senão meu sorriso banal
Meu olhar disperso
Minha linguagem de versos
Que não me fazem mal
Que se originam do mar
E lambem areia de ouvidos e olhos
De cor e de sal.

Enquanto me sai

O banho como tentativa
De remoção da boemia
Da noite e do dia
Foi a alternativa
Que me cabia
Que eu sabia
Sei hoje mais
Ajo pensando
Enquanto me sai
Pelos poros
Pelos olhos
O que me cai
O que me calha
Calo-me mais
Na navalha do caos
Os calos da rota são cabais
Adquiri-los no cais
Da porta que escancara
Uma luz clara demais
Aos olhos da cara
Os quais se vêem, mas
Não vêem nada.

Elementos

Eu sou do ar
Preciso voar
Bater perna
Bater asas
Pra primavera
Florir a casa

Eu sou da terra
Careço andar
Bater coração
Bater nas teclas
O que me faz pensar
Com a intuição

Eu sou do fogo
Necessito queimar
As regras do jogo
E fumaça gerar
Para que o olho
Passe a captar

Eu sou da água
Quero nadar
Tudo no nada
Netuno e Iemanjá
Rei e mãe já
Do que em mim há.

Elegia pré-tensa

Para fazer uma elegia
Aos besouros,
Um musical tesouro,
Suspeito se basta uma poesia

No entanto, de qualquer jeito
Contanto que seja do fundo do peito
Ao mundo deste fabuloso quarteto
Vou tecendo versos que vêm nascendo

Desde quando fiquei amigo
De John, Paul, George e Ringo
No clube da caverna da imaginação
Nos eternos campos de morango
Que não são de concentração

Para realizar uma homenagem
Aos divisores de água da música pop
Um misto de medo e desafio me sobe
Para a cabeça que descarta aterrissagem
E segue viagem nessa longa e sinuosa estrada
Asfaltada por nuvens de sons e quatro estrelas
Brilhando mais para melhor ouvi-las e vê-las

terça-feira, 6 de março de 2007

Conforme a velha cartilha

Penso algumas vezes
Para não dizer muitas
Que tudo é fictício
E feito de falcatruas

Sinto sempre
Com o risco de soar exagerado
Que nada é difícil
Quando o amor é gerado

Escrevo nunca
Só por constar no vocabulário
Não me lembro disso
Se já dissera noutro horário

O que também não importa
Como tantas coisas ditas
Enquanto outras se cortam
Pela censura instituída
E admitida por quem se comporta
Conforme a velha cartilha.

Autenticópia

De fato eu nem queria
Que isto fosse poesia
Mas quem sou eu
Que tento imitar?

Mesmo que mude
Mantenho o sonho
Que nem sei se é meu
Ou se é cópia dos outros...

Creio que não será igual
Ao sol que rompe
O hímen da madrugada
Drogada e prostituída.

Ao mesmo tempo

Feito morcego
Sem ser sanguessuga
Percorro as veias da madrugada
Durmo e acordo sem fotofobia em sossego
O amor se faz cego
E me segue e me suga
Na saga rumo ao nada
Que adoça e salga
Ao mesmo tempo
Que o tempo vai
O tempo chega
E neste momento
Que penso o que ficou pra trás
Mais peso se carrega
Por mais que o passado
Seja denso e pesado
O vento presente naturalmente leva
E apresenta futuros antecipados.

Agora

Entre o céu e a terra
Entre o mar e as nuvens
Pelo vento navego alhures
Removendo icebergs e pedras
Posso agora como nunca pude
Sou agora o que antes não era.

A corda

Não penso em muita coisa
Que possa ser tudo
Não quero muita coisa
Salvo meus sonhos
Não preciso de muita coisa
Que se considere astronômica
Mas astrológica
De degrau em degrau
Meus passos eternos
No piso virgem e descartável
No risco fácil, vertigem
Eu bailo e me bolo
Com tantos olhos
Que não enxergam
O que já transborda
Pelas frestas da tela
E o que resta é uma corda
Que não enforca
Mas sustenta.

A cama e o sonho

Todos os dias eu levanto
E me questiono quanto
Custa levar nas costas
A cama e o sonho

Preciso urgentemente
Lavar o rosto
E deixar-me exposto
Feito um indigente.

Eu tenho que registrar
Esses versos que não são meus
Nem seus, mas de algum lugar
Que ninguém conheceu.

Todas as noites eu deito
E me respondo quando
Escondo sob o travesseiro
O que por mim tenho feito...

Sintomático suporte

Eu, que ando com medo
De escrever, de me descrever
Caminho na ponta da caneta dos dedos
Sobre a folha quase pronta pra se ler
Com os cem melhores poemas brasileiros
Do século vinte
Como um sintomático suporte
Já caíram as lâmpadas tristes
De tanto vento forte
Eu, que não acendo incenso à alta noite
Pra nada cobrir, pra me descobrir
Ascendo com as raízes que ouvem
E dizem feito antena, seu elixir.

Mutações

Se eu voltasse à infância
Choraria feito criança
Sabendo que não seria igual
Ainda que achasse tudo legal
Meu corpo mudou
Minha cabeça também
O que fui não mais sou
E daqui a pouco vou
Ser outro alguém
Enquanto o próximo não vem.

Umbrellas e sunglasses

Chuva brinca com sol
gargalhando de nós
entre umbrellas e sunglasses
a intuição não é ilusão
com os pés sobre os papéis
coço o pescoço
o tempo está mais louco
do que quilos de rapé
e menos tranqüilo até
do que este rapaz.

Vazio provocante

mudança de tempo
de estado
de temperamento
num estalo
outro comportamento
dança no espaço
contemplo a brancura questionadora
o vazio provocante
contra as idéias que se foram
demasiadamente antes
de legibilizá-las
ainda que não sejam velhas
e palavras
são mais as estrelas
só lhe dão
um sorriso de trabalho
e solidão
do outro lado
da rua sem mão
dupla
com qualquer nuvem
o sol copula
e colore
a chuva
num dia pobre
de queixume.

Sonhos pendentes

Você não perde por esperar
Como também não ganha
Se não se preparar
Se não tiver gana

Se você espera com medo de perder
O que está nas unhas e nos dentes
Se você espera cair do céu seu próprio poder
Ou qualquer coisa providente

Você não parece pensar em viver
E, caso pense, não faz nem satisfaz seus sonhos pendentes
Deixa de correr atrás do que quer
Não olha pra frente e se transforma numa espécie de dissidente

Diferente do que você acha que é
Portanto não perca o tempo remanescente
Renunciando ao que lhe chega à mente e atrai o pé
Realizando o que seu coração pressente.

Transição

Quando as pessoas
Largarem de ser peças
Quando as máscaras
Forem usadas só pra peças
Quando a máquina
Da vida deixar de pregar
Peça.

Velhas regras

cansado de receber quase nada no final do mês
cansado de não ter paz, pés, voz nem vez
preciso criar um diálogo entre o real e a arte
enquanto o silêncio fatal não me invade

quiçá eu nem quisesse escrever assim
mas onde reside o não resiste o sim
começando pelas coisas pequenas
viver não é respirar apenas

é mudança no caminho de casa
é mudança nos móveis da sala
é mudança no cabelo, na barba
na roupa, na mesma outra cara

cansado de fazer o habitual sorriso
nas festas, velórios, saraus e comícios
cansado de baixar a cabeça e resignar-me
com os reveses que vestem a carne

preciso gritar, dançar, atar fogo
quebrar as velhas regras do jogo
sem decorar o roteiro, meu papel
a improvisar do meu jeito, ao léu.

Tragicomédia

enquanto comemos pão com manteiga e uma média
enquanto lemos só a primeira página do jornal
enquanto rimos da nossa própria tragicomédia
enquanto nos conformamos com todo o caos
enquanto nos perfumamos no meio dessa merda
enquanto nos humanizamos somente no natal

eu grito todas as vozes que vêm a mim
todas as vezes que me sinto assim

enquanto corremos famintos e atrasados
enquanto bebemos cerveja na esquina
enquanto nos esprememos no ônibus lotado
enquanto fugimos das aves de rapina
enquanto tememos a pessoa ao lado
enquanto desaprendemos o que a vida ensina

eu vomito todos os vermes que me consomem
todas as fezes que fazem o cerne do homem

enquanto anotamos a receita do bolo
enquanto discutimos futebol em vão
enquanto não nos olhamos olho no olho
enquanto estamos com a testa pro chão
enquanto consideramos deus como consolo
enquanto nos drogamos com a televisão

eu repito toda a dor, angústia e náusea
enquanto você não me dá uma pausa.

Sem egoísmo, pensando em mim mesmo

Quando penso na minha infância
Sem egoísmo, pensando em mim mesmo
Querendo todas as respostas via lembrança
Sem perguntar ao coração ao menos
Percebo que não mudei muito
No aspecto interno
No diálogo com meu mundo
Quiçá eu tenha mudado
Mais do que suponho
Cada segundo contado
Vira passado salvo o meu sonho
Minha bengala
Minha cadeira de rodas
O vento a me levar em suas asas
O volante a me guiar em estrada própria
Desviando dos buracos
Desconfiando dos atalhos
Vou adiante ainda que voltando pra casa.

Lapsos & Lampejos

Lapsos de memória
Dos papos
Das idéias
Aos sopapos
Com a ética

Lampejos de gênio
Beijos de Vênus
Aos solavancos
O sol avança
Até não mais vermos.

Enquanto vivo

Não sei se é preciso chamar o bruxo
Para extinguir certos hábitos
Ou se somente me levo pelo fluxo
A me engarrafar no tráfego

Não sei se a poesia é exata
Comparada com a ciência
Ou se a alegria é chata
Preocupada com a conseqüência

O que sei mesmo
O que digo de camarote
é que sigo a esmo
Amigo da vida e da dita morte

Não sei se os ponteiros dos relógios
Põem nos eixos os nossos tempos
Imersos em climas, códigos
Cheios de cismas e temperamentos

O que sei de fato
O que falo sem ressalvas
é que, enquanto vivo, me mato
No entanto a arte me salva.

Cacos de vida

Por mais que acerte
Defeco
Por mais que reze
Peco
Por mais que negue
Peço
Por mais que regue
Desfaço

E eu ainda andarei descalço
Sobre os cacos de vida no asfalto

Subitamente ensolarado

O enigmático feriado de finados
Subitamente ensolarado
Sepulta a tradição chorona
Caída das nuvens
O sol no dia dos mortos é um sintoma
De que o sólido, feito gelo ao calor, sucumbe
Em qualquer idioma
A rotina nem sempre se cumpre.

Sobre a água

Água tem sabor
Embora sutil
Água tem um odor
Nada hostil
Água tem uma cor
Diáfana sem ser dietil.

O real do sonho

Descalço
Para abrir a terra
Abraço
A árvore mestra
Reato os laços
Com a outra mesma esfera
Tanto tonto quanto cônscio
Não digo, mas distingo
O real do sonho
O cereal do joio e do trigo
Ouço a doçura da planta
Saudade imemorial
Textura quântica
Extrassensorial.

O que transcende o breve

Preciso aparecer, espairecer
Parar de siso e andar por aí
Cagando pra onde ir
Ignorando aqueles critérios
Aprecio outros mistérios
Que têm tudo a ver
Uma vez que as linhas são tortas
Há de vingar o que se escreve
O que transcende o breve
Vivo, não fico, dou de ombros
E me edifico com meus escombros
Até conseguir abrir todas as portas.

Newtonianas

quando eu me perco
penso
que estou na minha
quando eu me desespero
peso
o que me alivia
quando eu me arrependo
prendo
a carta de alforria
quando eu aprendo
pendo
para a poesia.

Idade e vaidade

Que venha a idade
Nem preciso pedir
E vá a vaidade
Se puder se despedir
E se despir
De mim.

Eu não sou metade

Eu não sou metade
Você não é fração
Desejo e necessidade
Não têm igual definição
Eu sou inteiro
Você é completa
Eu tenho o meu jeito
E você também pensa
Estamos juntos
E não somos os mesmos
Em todos os minutos
Temos nosso tempo
Não tente se dissolver
Feito açúcar na água
Eu sou eu e você, você
Cada um na sua alma.

Cada hoje é menos um dia

Ritual, copos a brindar
Por qualquer pretexto
Só falta o corpo pra blindar
No atual contexto
Se eu estou em casa
Longe dos holofotes
Pra fugir da jaula
Das migalhas e dos chicotes
Não é culpa minha
Mas não vou me indultar
Cada hoje é menos um dia
Pra deixar de me ocultar
E passar a agir de acordo
Com o que penso e sinto
Não é sonho quando mordo
A carne nutrindo o grito.

Aos pensamentos livres

Estamos presos
Aos pensamentos livres
Que não têm hora de vir
E só paramos pra pensar a respeito
Quando já se foram
Apenas ficamos forros
Quando estamos fora
Do círculo vicioso.

Versos versus dinheiro

Os versos que traz o vento
e na carteira por cautela levo
valem mais que o dinheiro
cujas cores sem querer decoro
embora sujas sejam as notas
nada musicais
todas maquinais
a caminho da bancarrota.

Vendo a vida

Vendo a vida secreta
Das plantas
Minha mente me conecta
Lá pelas tantas
Às estrelas que espetam
Além do teto em que dançam
Meus olhos sem estratégias
Que não obstante avançam
As selvas, as seivas e vencem sistemas
Obsoletos que descansam
Com a alcunha amena
De família feliz e santa
Vendo a vida em falazes cenas
Do telejornal durante a janta.

Tanto quanto eu

Antes de abrir a janela
Um gentil copo de café
E uma nota de jornal
Pra comentar com qualquer
Um quando o papo cessar
Sopro as cinzas ao céu
Homocromático hoje e matemático
Num ciclo que nunca feneceu
E dos resquícios da fumaça
Renasce tanto quanto eu
Como num passe de mágica
Como uma face de Deus.

segunda-feira, 5 de março de 2007

Sobre o que já sei

Falando sobre o que já sei
Só pra não me esquecer
Sendo otimista
Ou via ironia
Nas entrelinhas
Dos elogios que disser
A qualquer hora
A partir de agora
Estilhaços do tempo
Que informa o relógio ileso.

Se tudo não passou de súbito

Com sonhos me masturbo
E alívios viscosos ejaculo
Num piscar de minutos
Pesco a antificção e me preocupo
Se tudo não passou de súbito
De um capricho estúpido,
De uma vontade sem escrúpulos
Que nem adula o orgasmo múltiplo.

Redoma de vídeo

Em busca da perene resposta
Para a pergunta mesma
Vou seguindo e bebendo
O que me parece líquido
O que se esquece vivendo
Nesta redoma de vídeo
Em que não funciona a aposta
De uma partida que não presta
Para levantar o troféu
E sorrir para os flashes
Sonhando ver a foto no céu
Ou pelos menos na manchete.

De qualquer sorte

Quebra de modelos
E até de espelhos
Podendo dar sorte
De qualquer sorte
Num dia certo de corte
Dos medos e dos seus cabelos.

Perguntem à pedra

Em alto e bom som
Grito fora do tom
E cai a moeda
Vivendo como se pode
Aliviando-me com Pink Floyd
E com tudo mais do que se herda
Regressando às águas escondidas
Mesmo sem as questões respondidas
(Parece que é a mesma merda)
Sinto-me feliz e cúmplice
Os sonhos me tornam imune
Se restam rusgas, perguntem à pedra
Às vezes de óculos adormeço
Pra ver se enxergo direito
Se pego a saída ainda pela fresta.

O que trago

O que trago
De fora
E no interior
Eu não traio
De forma alguma, senhor
Dos ungüentos
Dos engenhos
De cana de açúcar
Amargando a terra
Emagrecendo a cultura
Alimentando a fera
Em fúria, solta nas ruas
Louca de tanta espera
Que ainda continua
Entre a vigília e a soneca.

Mesmo que me chame Marcello

Eu existo na frente do nome corrente
Mesmo que me chame Marcello
Antes de nascer nada sorridente
Do útero terno ao mundo externo
Imundo, belo, paralelo e concorrente
Entre correntezas de fogo e gelo.

Futuro ontem

Passo pela vida como quem
Caminha, vê e participa
De um futuro ontem
Pelo que o tempo indica
Na rua distraída
As pessoas se destroem
Viram ninguém
Nenhum farol de milha
Só o sol que de mim vem
E, se não brilha, me corrói.

Eu, por exemplo

Estar sendo não arrefece
o que está me estarrecendo
mal-estar é querer ser sem ser o que se é
eu, por exemplo
um bobo da sorte
um boneco do tempo
um canal de outras vozes
um espelho de dentro
e o que me acode
é este céu esplêndido
luzindo mais que seiscentos holofotes
com estrelas ao extremo
pra se e me contar sem corte
sem nenhum fragmento.

Entre a calma e o desespero

Entre a calma e o desespero
Corro contra o tempo
Morro por causa do mesmo
E renasço enquanto me lembro
Do que vivi noutro momento
Catando em vão qualquer entendimento.

Embora a propaganda não queira

Não me solicitem
Nem com gentileza
E um sorriso hábil nos lábios
Para ser sempre objetivo
Afinal sou um sujeito
Embora a propaganda não queira
Com sua estética asséptica
Não preciso desses desejos
Postos goela abaixo
Eu possuo já os meus sonhos
Parece que é ao contrário.

Em busca do que me chama

Sinto-me criança
levando a sério
qualquer pilhéria
entrando na pilha e na dança
do doce mistério
saindo da missa e da matéria
em busca do que me chama
do que eu mesmo berro
pela boca da alma eterna
que se externa quando se ama
sem esperar por recompensa
em nada disso se pensa.

Dos ossos carne

Enquanto penso na nova
Geração com mais de um chip
Em relação à nossa
Nem tão coesa equipe
O que também não é grande coisa
Ouço psicodelia digital
E cato ortodonticamente dos ossos carne de sobra
Como
Se fosse Natal.

Densas nuvens

Tanto eufórico
Quanto melancólico
Penso em densas nuvens
Nos dias de sol inúteis
Só mesmo um trombone
Pra não morrer de trombose.

De que me vejo

Afeito e surpreso
Com o jeito
De que me vejo
Às vezes leigo
De mim mesmo
E noutras preso
Em inúteis conceitos
Do etéreo
Do ego
Da psi-sei-lá-o-quê
À conclusão chego
De que viver quiçá possa resolver.

Algum testemunho

Um esboço
Um rascunho
Um escorço
Um debuxo
Uma idéia no bolso
Um rasgo de bruxo
Egresso do calabouço
Algum testemunho
Das coisas que ouço
E passo pelo punho
Pra não cair no poço
Crasso e profundo
Já que daqui a muito ou a pouco
Estará fora do mundo
O meu corpo de carne e osso
Recomendo a autópsia do que divulgo.

Algo

Mesmo com chapéu
Mesmo sob o teto
Cai algo do céu
Pra ficar esperto
Mesmo com luvas
Mesmo nos bolsos
Sai algo da chuva
Pra sacudir os ossos
Mesmo com peruca
Mesmo sem cabelo
Entra algo na cuca
Uma carta sem selo
Mesmo vazias
Mesmo sem dinheiro
Passam as tias
E os seus herdeiros.

À vila dos cães

A vida chega fugitiva
à vila dos cães
cegos latindo o que viam
mas colhem-se maçãs
como alternativa
não há paredes nem portas
tolhe-se a força primitiva
e molha-se de canela a torta
de groselha todo mesmo dia
antes que a cidade me devore
sorrio meus dentes caninos
eles também mordem
independem de signos e sinos.

Um importante dia qualquer

À espera da carona
Até o sol pintou
E quando beijar a lona
Tanto eu quanto o sol
Quero estar aonde vou

Hoje é um dia qualquer
Hoje é o dia mais importante
Desconfio e rio do motivo
Talvez por estar vivo
Entre defuntos ambulantes.

A dor da consciência das coisas

A dor da consciência das coisas
A doce loucura da poesia
Os flashes de felicidade
Revelação através da saudade
Revolução a cada piscar.

sexta-feira, 2 de março de 2007

Tá tudo aí

tá tudo aí
depois da chuva
pro céu despoluir
estrelas cruas
tá tudo aí
samba, mulata
cana e jogatina pra fugir
da partida ingrata
vida casa com película
com pele
ainda sendo cena ridícula
considere
embora não baste
tá tudo aí
conquanto falte
o que resta é fingir.

Pressa do presságio

Preciso do espelho
quase todo o tempo
pra lembrar quem é que vejo
nesta moldura na parede presa
o presságio apresenta pressa
e o presente é frágil
deste lado para cima
então voemos mais alto
quando menos se imagina
enquanto hoje não acaba
enquanto o sol não dá a cara
às tapas da alvorada.

Peso d´alma

quanto a alma pesa?
quanto a vida presta?
quando nada se preza?
quando a fantasia é presa
pela razão que não reza
e zera o que se deseja?
quanto mais penso
bulhufas compreendo
e sempre vem nascendo
um dia mais ferrenho
do que os filmes que vejo
neste vasto mundo pequeno.

Em qualquer brecha

Faixa arranhada
E madeixa emaranhada
Deixam-me gorila
O sol não se queixa
Mais do que a mãe da filha
Sei que não sou Raul Seixas
Muito menos Bob Dylan
Mas em qualquer brecha
De luz bebo clorofila
Pra fazer da letra flecha.

Desde a tensa idade

Até quanto vale
Lutar pela liberdade
Quando já é tarde
Desde a tensa idade
Se eu desistir
De lutar ou de existir
Não servirá elixir
Nem sumir daqui
Para além de Saturno
Cá se faz meu mundo
É onde me situo
E me sintonizo a cada minuto.

Calados brados

Divulgar
Do sublime
Ao vulgar
Um filme
Uma fumaça
Em qualquer lugar
Na próxima praça
Na porta de um bar
Calados brados
De amputar os tímpanos
De juntar os lados
De ficar por cima dos panos
Da cocada preta
Da carne seca
Da bocada certa
Do alarme picareta
Do sangue do poeta
Na tinta da caneta.

Ao sabor dos olhos

Liberdade é a palavra
A chave é saber domá-la
Sem deixá-la dormir
No branco vazio do papel
Ou num banco frio esperando se ouvir
Ao sabor dos olhos do céu.

Amigas migalhas

Amigas migalhas
O que seria do dia
Sem a noite de gala
Sem o açoite que vicia
Sem o estigma da bengala?

E o enigma se irradia...

A minha pessoa

Mesmo que soe fácil
Tudo o que sou e faço
Não é, apenas soa
A minha pessoa
Ainda que diga tudo bem
Ao porteiro, ao vizinho
Traio um certo alguém
Que me deixa mais sozinho.

Caridade

Meu grito brando e vermelho
quando me fito no espelho
e não acredito (só) no que vejo
criança, adulto ou velho
vivo e me sepulto do meu jeito
solidariamente a mim me assemelho.

Antena

Eu não preciso fazer letras
com a meta de ser poeta
sou apenas uma antena
a transmitir o que detecta
para quem tem aberta
a cabeça e a alma, serena.

Mais você

Junte todos os seus sonhos
dentro de um caldeirão
até que entrem em ebulição
a fumaça que virá de encontro
ao seu nariz quiçá faça você pensar
sobre o que quer realizar
para ser feliz basta viver
seguindo o que escolher
que o resto o tempo corrói e constrói
e quando chegar o que já foi
e que ainda dói, perceberá afinal
que o tchau dado é o oi do outro lado.

Livros na mente

Tenho tantos livros na mente
sem páginas, sem prática
quero qualquer coisa diferente
desta correria estática
pensando em ir em frente
acho que ajo feito máquina
não sei de que lado sou
ou estou, somente vou
segurando de vez em quando
os cabelos brancos do tempo
que tingimos de preto
e fingimos que atingimos
o alvo – em que sentido? – perfeito
salvos ou não, seguimos.

Junina

Junina


Escrevo o nome no papel de pão
e o balão tem fome de fogo
para chegar no céu, em vez do chão
sem desvendar a tez do jogo
sem queimar seu papel no filme
que estreará na semana seguinte
lançando silêncios em olhos de lince
minha existência insiste e não desiste
de ser o que ela pede sem querer
fazendo da parede uma janela
quiçá um dia ela possa aparecer
pela fresta onde irradia aquela estrela.

Junho

Junho


Dentro do sereno
incêndio na cabeça
chamas frias
dias pequenos
sóis se encerram
amarelo se finda
mas no momento
esqueci qualquer esquecimento
a porta do armário está fechada
eu não penso – que importa – em nada
meus olhos apenas
de espanto acenam
um pranto na cena
a platéia não condena
e quanto à imaterialidade
das coisas em que à vontade
me sinto mais, para falar a verdade
já que as rosas não o fazem
eu não sou
só estou.

Fatos e extratos

Quando vou desvendar meus segredos
quando vou arrendar os meus medos
para obter algum lucro
a fim de não me tornar maluco
assim como todos vocês
castrados por morais e leis
eu não quero virar eunuco
quero beber todo o meu suco
antes que a boca fique seca
e a sede invada-me a cabeça
a tinta deixa aqui meu recado
por enquanto um pouco calado
mas não por considerá-lo pecado
há fatos e extratos mais complicados
do que meu retrato falado.

Qualquer coincidência não é tão mera quanto se pensa

Meu medo talvez não signifique
ausência de coragem
exagero de fantasias e outros tiques
meu motor para a viagem
a gasolina ilustre da inflação
terei mais sede amanhã
e o cuspe da bagagem
evapora antes de ser
mais uma gota vã no chão
com poças de urina, suor e cer-
veja, entrei num sonho
sem na porta bater
sem perceber o olho mágico
aberto para mim
perto de mim
o intervalo, o vácuo.

Subjetivo coletivo

Racionar a razão raciocinada
por leis e outras razões veladas
para com a ideal dose serena
esquecer as gigantes coisas pequenas
beber refrigerantes naturais
sonegar o pagamento da exploração
em prestações suaves demais
em espécie em extinção
em cartão, em cheque
olhe o mate, mate o leão
antes que ele me pegue
andando solto nas ruas
atrás do nosso imposto
através de imposições cruas
além do ponto de contragosto
não pense, dispense, saia da teoria
debaixo da saia da mãe
faça com que tudo viva
que a noite vira manhã.

Suicídio

Suicídio


Não vou jogar as poesias pela descarga
os esgotos merecem coisa melhor
do que fantasias vagas e largas
talvez minhas fezes, meu suor
para remover de vez tal carga
espero na paisagem o sol nunca se pôr
se tiver a passagem paga
mudo de lugar, de calça, de cor
continuando minha saga
apesar e por causa da dor
se não for assim, estraga
entregue-se enfim ao amor
que o resto faz parte da estrada
que não sei de salteado nem de cor
porém isso não quer dizer nada
para que a vida seja lá o que for
enquanto que a cabeça deflagra
tempestades espessas no meio do calor
a verdade que não veio, ficou magra,
vomitando versos no meu interior.

Esperando aquele dia chegar

Esperando aquele dia chegar
qualquer dia desses
num sorriso sem interesses
vulgares
aguardo com agrado teu olhar
nunca de lado, sem ser de viés
para andarmos com asas nos pés
lugares
vamos conhecer e edificar
com outros tijolos e cimentos
quando meus olhos e sentimentos
sugares.

Enquanto em prática não ponho

Enquanto em prática não ponho
os meus planos, os meus sonhos
pode ser trágica a forma com que me engano
no entanto, a vida é mágica portanto
eu me desencano em prol
do espírito santo
e do corpo nem tanto
porquanto no topo há um sol
o meu que ainda não nasceu
ou os seus brilhos que não devem ter aparecido
para que me expliquem quem sou eu
o que é deus, onde está o sentido
em cada passo que dou
no espaço, no nada absorvido
na estrada em que me faço e vou
curtindo, tossindo, rindo e indo.

Desprezo humanista

Não estou preocupado com a demanda
nem com que aquela banda quer
que fazer um som bom não é
nem arrastar pé com São João na ciranda

não estou interessado com quem anda
nem com quem quer ser e não é
tampouco desejo saber em quem manda
como um deus comercial que cobra fé

eu não estou encanado com o fato
de a vida não trazer nada exato
todavia está tudo deveras claro
e a visão disso custa caro

a quem não tem cacife o bastante
ou a quem não se permite ser errante
num dia doravante qualquer
no entanto, por enquanto, é.

Como eu queria

Como eu queria


Como eu queria querer
o que vou ser
daqui a alguns anos
como eu queria saber
no que vão render
meus grandes planos
como eu queria deter
o tempo de agora para ver
meus enganos e desenganos
como eu queria ser
o que sempre quis ser:
poeta, insano e humano.

Chapa quente

Que se desconheça a que conclusão
minha confusão cega chega
a seguir qualquer direção
ou saga que me suga sem sucção
se é real ou ficção
esta não é a mais crucial questão
já que tenho alguma noção
por mais vaga e ocupada que seja
minha cabeça preocupada de bobeira
com esta calma segunda-feira
cata as xepas e os restos de chopp
e a chapa quente pode ser pop
uma gíria que gira qual mundo
no fundo da minha algibeira
sem melodias das moedas
minha meta se mete com a mente
e o coração do poeta
que por seu turno
ora pateta, ora soturno
não se compromete
com nenhuma sorte
de perdão ou bênção
somente cumpre e não promete
em vão a sua missão
durante a vida e a morte
sem saída, sem omissão
está carimbado o passaporte.

Através de palavras sem sentido

Através de palavras sem sentido
eu quero te dizer tudo
o que tem acontecido comigo
dentro e ao redor do mundo
em que ninguém habita
cada um com seu disquete
seu e-mail de distância infinita
caiu na rede é Internet!

A noite parece que está fria
minto, já aparece serena
e sinto outra tez do dia
mais uma vez para a vida ser plena
enquanto ela não me enche
vou por aí com as circunstâncias
e resto não sei a quem pertence
à marcha em ordem ou à bêbada dança
eu tenho os sonhos enormes
e os olhos idem como se vissem
o verso desperto que ainda dorme
feito tudo o que já disse.

Ao som do momento

Os versos estão de frente
e a poesia, de verso
os versos são salientes
e o poema, submerso

a manhã tem dois sóis
tem tanto, pois, de nós
tontos nós desatentos
ao som do momento

minha casa é um espaço
que mudo rapidamente
sei de tudo o que faço
para saber do ambiente

O poema é estranho
e os versos, merda
a poesia é um ganho
e os versos, a perda.

Anoitecer

Espero o tempo passar
e a ansiedade acabar
quero ver anoitecer
quero ver a noite ser
o abrigo último do lume
o amigo útil de costume
de peito, coração e ombro
e no meio de tantos escombros
reaglutinar os tijolos
desembaçar os olhos
desembaraçar o protocolo
e lançar meu grão no solo
à medida que as horas passam
a esperança se torna escassa
mas a demora um dia terá seu fim
e a verde flora crescerá no jardim.

A conseqüência do café

Não me causa nenhum espanto
programado ou espontâneo
porém, todavia, no entanto
procuro fugir do pântano
e o sol é tão em si
e ao mesmo tempo
deixa marcas em mim
das quais eu me lembro
por tabela, por osmose
minha cabeça calma
em banho-maria com as neuroses
paranóias e traumas
pensa ao inverso
na conseqüência do café
e na essência destes versos
que me dizem o que a poesia não é.

Alguma cor

Alguma cor


Busco alguma cor
nesta dobrada folha branca
reluto a minha dor
de uma noite tola que sangra
e da boca desce um filete de vinho
que não se esquece do leite sozinho
meus dedos torpes
e meus medos sobre
mim se escondem do frio
das ruas nuas nestes meses
e surge às vezes
um anel perdido no meio-fio
o céu não escolhe
o fim nem o começo
apenas colhe
o processo que não cesso
nem ouso fazê-lo
por zelo aos meus ossos
e a tudo quanto não posso
poder e depor
o que as circunstâncias expõem
o tempo inteiro até depois
que o sol se põe
abandonando o palco
mas nunca o teatro.

Num dia só

Se num dia só eu assistisse
à minha vida feito filme
eu poderia sair dessa mesmice
e curtir os momentos virgens
arrancando-lhes outros himens
antes que pensem ser um crime
meus desejos me redimem
minhas vontades estão firmes
e, já que você sabe, caso contrário
deveria saber, é hilário
achar que a feliz cidade
supre todas as necessidades
através de produtos
com nome de fantasia
não vejo mais frutos
nem futuros neste único dia
para que me ensinem
alguns efeitos especiais
além dos defeitos naturais
antes de eu ir-me.

Pô, é zia!

Não a metrifique
não a justifique
não a complique
não a critique
não a ratifique
não a retifique
não a idealize
não a subestime
não a politize
não a comercialize
não a determine
não a vulgarize
não a glorifique
não a recrimine
não a oficialize
não a domine
deixe-a livre
não a amplifique
não a delimite
não a edifique
com dinamites
não a materialize
não a poetize
não a classifique
nem a elimine
permite-a que fique
sendo simples e sublime
feito uma poesia.

Desde 79

Antes que esteja subentendido
que esta poesia é de minha autoria
o sol não adivinha em nenhum dia
a que horas vai nascer
o tempo nunca é o mesmo quando
quero conjugar os verbos
sem julgar seus versos
as nuvens se movem
e não há céu tão enorme
que resolva tal questão
que dorme e envolve
desde setenta e nove
os bocejos, os beijos
úmidos e turvos de cerveja
se você quiser ser, veja
o que realmente é
venha, café, aquecer
novamente uma manhã qualquer
sem oração, senhora ação
espero com devoção seu batismo
na pia, na poesia, no dia-a-dia
no meio do capetalismo
sem que eu pela água límpida
deva nenhum centavo ínfimo.

Difícil

Difícil cortar
Com a mão
O rio de pensamento
Penso que é mar

Difícil contar
Com a razão
Pra seguir o sentimento
Sinto que é mais.

Idoso ou rapaz

Eu sou muito mais
Do que suponho
Só eu possuo os ramais
Dos meus sonhos
Eu sei que sou capaz
E meu próprio dono
Idoso ou rapaz
Eu nunca me abandono.

Ladeiras íngremes

Morrer sem saber
Assim como se vive
Pra se desprender e desaprender
Na disciplina pra ser livre
No enigma pra se compreender
E galgar ladeiras íngremes
Em vez de desesperadamente correr
Deixando de ver coisas incríveis.

O horizonte é mais amplo

O horizonte é mais amplo
No mar e no campo
Sem pedras
Sem cercas

O caminho é longo
O destino é o sonho
Sem parecer
Sem perecer

Tão lá quanto aqui

Tão lá quanto aqui
O cosmos findou a aflição
Meu doce predileto
No dia de Cosme e Damião
Felizmente histérico
De cara pro Rio
No calçadão de Icaraí
Entre o pranto e o riso
Tão lá quanto aqui
Do céu para a terra
No solo a solução, o fato
O fruto da espera
Conspiração dos astros...

Em belos versos feios

Viver é uma escola
Feita de escolhas

Viver é pedir esmola
À morte, à mola

Eu quero ficar bem mesmo sendo
Alvejado por palavras num tiroteio
E sangro em belos versos feios
Que a folha bebe e recebe
E só quem saca - a rolha - percebe
O que a garrafa estava prendendo.

Formas de vida

Sábado quente
Língua seca
Cuca fresca
Diferente

Noite cheia
Lunarmente
Do nada chega
Indiferente

E se despede
Quando o azul veste
O negrume celeste
Solenemente

Cores vivas
Ao firmar do dia
Formas de vida
Sol na mente

Lua nova

Lua nova
Tudo novo
Nada de novo
Para agora
Da janela novíssima
Outras paisagens
Diversas vistas
Vera viagem
Ave de escorpião
Garra do asfalto
Rápida recuperação
Do passo ao salto
As lentes velhas ponho
E a velhice vem lenta
Não como um estrondo
Nem mudez intensa
Balas de Janis
Agridoces petardos
Se fosse o que não fiz
O cuspe seria menos amargo
Sobre um livro
De Paulo Leminski
Tenho sobrevivido
Sem assaltos a uísques
Que nem curto beber
Remédio pra garganta
E pra quem sabe receber
O sol sempre se levanta
E a lua daqui a pouco enche
No novo céu que se desenha
Bem na minha frente
A natureza não representa: presenta.

Apesar das fumaças

Em cada dia um filme
Um longa-metragem
Tão curta a vida
Só uma passagem
O bilhete no mapa
O tesouro na área
O xis da questão
Na hora agá
Vai se apagar
Todo o mistério
Apesar das fumaças
E acenderá a luz
Mistura de azuis
Céu, mar e nada.

Sob o ralo da pia

Do mar à piscina
meus olhos graves gravam
nem tudo se ensina
através de palavras
da piscina à praia
meus olhos espiam
o que se guardava
sob o ralo da pia
da praia ao mar
meu corpo me leva
e eu, sem reclamar,
espero o que me resta
dos pés à cabeça
meu corpo me contém
antes que me esqueça
eu sou alguém

Veloz sinceridade

A vida é cíclica
E nunca se repete

A vida é cítrica
E tem gosto de grapete

A vida é cínica
E se faz na internet

A vida é crítica
E se joga mais confete...

Eu sinto
Sou sincero mas não feroz
Não uso cinto
Pra veloz sinceridade.

Quando me traduzo

Tudo é escroto e difuso
E eu não gosto de estar
Tão indisposto, confuso
E envolto por um mar
De certezas sem uso

Eu sempre vou embora
De um momento para outro
E a minha memória
É feita com o tempo solto
Sem meridiano, sem fuso

Nada do que declaro
É congelado, datado
Tudo quanto digo
Tem a ver comigo
Quando me traduzo.

Fleuma

Muito quente
Não consigo pensar
Nada se entende
Não sei explicar
Não me esquente
A cabeça, baby,
Já basta a lua
Que tá lá fora
Eu estou numa
E você noutra
A qualquer pergunta
Você fica neutra
Isso me assusta
Já são tantas neuras
Que ter mais uma não me custa
O que me cuida é a fleuma.

Dias e noites

Os dias fluem
E flutuam no calendário
As noites escorrem
E passeiam no escuro
Os dias possuem
Algo de ordinário
As noites percorrem
E incendeiam muros
Os dias instruem
Que nada é por acaso
As noites explodem
E me deixam confuso
Os dias ruem
Sem pressa e sem atraso
As noites não morrem
Na brecha do futuro.

Desterrado

Desterrado deste errado parque
Passeio alheio no meio
Da feira e de feras humanas
Como se fosse sábado
E doce o algodão
Quando me dão algo
Nem olho os dentes
Imprudente com o cavalo
Parece que não sou daqui
De tão perplexo com seus valores
Que não valem nada pra mim
Com quantos sexos se faz um amor?
Com quantos instantes logro
A plenitude da felicidade?
Enquanto a resposta ignoro
Cavalgo com o dado
Cujo resultado devoro
E cuspo na eternidade.

Ares de março

A este instante mudo
Escuto gritos primais
Clamando pela paz
Que acena tão distante
Dentro
De alguns dias
Horas, minutos, segundos
E quadros moribundos
Contra a anestesia
Entro
Entre mim e o céu íntegro
Na cova diária
Na cidade solitária
Desumano perímetro.

A um lugar

Minha cabeça
E meu coração também
Me levam
A um lugar
Que não consigo desvendar
Embora me soe familiar
Como uma voz meiga
Matutina
Como um pão fumegando manteiga
Ou margarina.


Último manifesto

É obrigatório passeio completo
para ir à festa, o concreto
está entre as arestas, o resto
depende se há portas e janelas...
faça do dia o derradeiro manifesto
e o comunique às estrelas,
depois fique como deus: quieto,
será que o problema é de audição
em vez de convicção e/ou convenção?
a regra é exceção e o excesso
transborda em sangue espesso,
expresso e impresso sob pressão.