sábado, 23 de março de 2024

Um jogo de instantes

 

Não sei se eu já 

Não estou aqui 

Tampouco lá

Em qualquer lugar, por aí 


Antes de zarpar

Eu fico no ar e me finco no mar

Quiçá a alma

Desatraque antes


E não saiba 

O destino da jornada

Um jogo de instantes

O arbítrio é livre


Ignoro se já não estou lá nem cá 

Eu fui montando o meu filme

Para quem sou agora

E os meus enganos, inclusive


São frutos de escolhas

Não padeço dessa frustração 

De não ter sido outras pessoas

Minha vida ainda está na sucessão


De ocorrências de coisas

Que escoam das minhas mãos 

De uma maneira bem particular

Permaneço envolvido no poema


Nos dias feios, nas horas boas

Sem o dissabor de não virar

Interesses alheios, outras folhas

No solo duro da existência.



quinta-feira, 21 de março de 2024

Alma de borracha

 

Esterco no jardim 

Flores no pântano

A vida é assim

Vai se levando 

Que ponto de inflexão

Nem sei dar a dimensão

Precisa do amor e da ajuda

Quando Francisco Arruda

Tricolor do Ceará, meu tio

Deu para mim

O primeiro disco

Dos Beatles que ouvi

Alma de borracha 

Que nunca se apaga

Com as lembranças 

Dançando rock, break, samba

Pagode e forró 

Foi-se um bloco da minha vida

Da minha infância de uma vez só 

Agora passa uma fita

Casa de vovó Elita, saudades, vó!

Picolés de amendoim

Eu correndo do Barão 

E o primo Victor, de mim

Paco, Macaca e Pantera

Banho de mangueira 

Jackson do Pandeiro, Gonzagão

Fagner, Bebeto, Raça Negra 

Gol a gol com tio Ivinho

Churrasquinho, coração 

Na Arena Cardeal Mazarino

Onde meu pai foi criado

Ah, eu fui feliz mesmo

Eu sinto, agradeço e falo

Antes, durante e depois

Sempre que comer um torresmo

Ou um baião de dois 

Em Jaconé ou em São Gonçalo

Na praia ou à mesa 

Eu estarei com Tia Tereza

Ah, que tristeza parruda!

Descanse em paz, tio Arruda.


quarta-feira, 20 de março de 2024

Não sou mais aquele que me foi

 

Câmeras de monitoramento

Câmaras de gás 

Camas de espreguiçamento 

Ah, manhã fugaz 

Quem está de olho? 


Oh, como sou vulnerável!

Não sou mais aquele que me foi

Adeus, meu medo é superável

E nasceu comigo em Niterói

Contorcendo o rosto 


Quem tem satélite 

Controla quem só intui

À flor da pele

O sangue cego flui

Com a saga que segue 


São grises os céus azuis 

As crises também servem

Os lapsos de luz

Pedalam de tão serelepes

Não me esqueço da minha Caloi


Quem tem sol

Ilumina o porão

De poeira, poluição e pó 

Quantos esperarão 

Pelo super-herói?


Estes dias dinâmicos

Só se parecem com pressa

A clareza, sim, a certeza em si

Não despreza a conferência 

Nem a confusão dos trânsitos


Sonhos se tornam realidade

A natureza não daria incentivo

Nem incêndio a tê-los vivos

Sem essa possibilidade

Cadê a paz daquela promessa?


Serenidade não é tédio 

Tampouco calma é inércia 

Relaxamento no empenho

Dispenso os excessos

Pensando fora do cabresto


Vai longo o tempo em que água é direito

Em vez de mercadoria

Fica na maravilhosa cidade 

O maior porto escravagista 

Da história da humanidade.



sábado, 16 de março de 2024

O desejo de algo

 

Os piores tempos 

Já passaram da berlinda

Foram os melhores momentos 

Das nossas vidas


Cada ano dura menos

Do que doze meses

Uma dose de pensamento 

Dobra num dia desses


Parece trágico 

Não querer nada 

E o desejo de algo

É o eixo da estrada 


Eu não sei quantas vezes 

Fui sem ter vivido

Eu não sei quantos deuses

Ficam me ouvindo 


Os piores tempos 

Não serão os dias futuros 

Foram senhores ensinamentos 

Pontes no lugar de muros


Vivo como posso, 

Agora nunca é cedo

Porque tenho ideias

Do nada e maturadas


Eu me julgo e me jogo

Jamais deixo que o receio

Do erro me impeça 

Do projeto, da jangada


Eu não sei quantas vezes 

Serei fora de senso

Eu não sei quantos deuses

Ficarão me vendo.



domingo, 10 de março de 2024

Thiago Magalhães

 

Thiago Magalhães 

É meu amigo

Desde as manhãs 

Adolescentes 

Do milênio passado 

Quando pegava carona

Apartamentos vizinhos

Fã de Madonna

Thiaguinho me apresentou 

Nelson Rodrigues 

A vida como ela é 

Boca de ouro

O beijo no asfalto 

Passávamos textos

Durante as aulas matinais 

Escrevíamos peças 

Teatrais

Vencedoras de festivais

A culpa é da sociedade 

Ou os laços sanguíneos 

Não são as fronteiras do amor

Editor e dublador 

Meu amigo pequeno 

Fica gigante no palco 

É um ator nato

Flor do teatro 

Meu amigo Thiago

Dos Santos Magalhães 

Desde as manhãs 

Adolescentes 

Do milênio passado.



sexta-feira, 8 de março de 2024

Oito de março

 

Aqui, nesta terra,

Oito de março

Não é feriado 

Nem dia de mera


Homenagem à graça, 

À maternidade e à beleza

Das mulheres, das musas

Inspiradoras da natureza 


É uma diária escaramuça

Eu mesmo me policio 

Para erradicar o machismo

Arraigado pela cultura 


O oitavo dia de março 

É uma data dedicada

À memória da luta, da batalha 

Das heróicas mulheres


Por melhores condições de trabalho

Pelo direito ao aborto 

Em prol da igualdade do salário 

Contra o assédio sexual e feminicídio 


Tais assuntos antigamente 

Eram escondidos 

Entre quatro paredes

Agora estão sendo discutidos


O oito de março 

É um dia para lembrarmos

Do combate permanente 

Das guerreiras de quem somos originários. 



quinta-feira, 7 de março de 2024

Uma infração de segundos

 

Não tenho disciplina por virtude
E sim como reação em virtude
Da minha negligência
Contemplativa urgência

Concilio para não sucumbir
Às minhas cóleras reprimidas
Já me feri nas férias daqui
E noutras esferas e vidas

Um singular minuto
De reconciliação vale
Mais do que anos de amizade
Aquele momento único

Feliz ônus novo
A poesia é uma infração de segundos
Vi no meio do povo
Mas tampouco quis me ler

Pareço gentil, quase bobo
Para velar minha escassez,
Banco o prudente quando não boto fé
E penso na mais inclemente conjectura

Minha compulsão, minha loucura
Pela ortografia, tipo assim,
Não é uma condecoração
De uma mente harmônica

Mas todo um combo
De simulação concebido por mim
Para perfumar o pandemônio
Do meu ânimo, do meu coração

Só sou pontual
Para que não saia no jornal
Que o tempo alheio
Não me importa

O amor não é um estado de espírito
Mas um signo, um segredo
Um significado, uma joia
O amor é um estalo disso, dissolvido.

segunda-feira, 4 de março de 2024

Caso não saiba

 

É impossível

Para uma pessoa

Aprender aquilo 

Que ela pensa 

Que já sabe

É um desperdício 


Quem mata o tempo

Desata a corda toda

Massacra a si mesmo

É uma pena

É um desastre

É um estrupício


Caso não saiba

Eduque-se logo

A existência passa

Sem truque, é um relógio 

Que não se repete

Café não é petróleo 


Tudo vira ilógico

Se você não se percebe

Entre remorsos e crises

A vida tem fases breves

Quase nada tem reprise

Abrace-se e abra os olhos.



sábado, 2 de março de 2024

O baile da alienação

 

O ser humano sempre 

Está com disposição 

De negar o que não entende

A sociedade moderna esquece


Que o mundo não pertence 

A uma única geração

O meu desejo é que pudesse

Aniquilar todos os pensamentos


Que são potentes venenos 

Ao meu êxito, velho texto,

Mas obtenho um tipo de satisfação 

Sendo indulgente com o que penso


Eu não quero dançar 

Antes nem depois da canção 

Apenas danço enquanto durar

O baile da alienação 


Quem se conhece 

Ingressa no universo 

Dos deuses, uma espécie 

Em extinção aos néscios


Eu não danço na prévia 

Nem no enterro dos ossos

Só danço durante a festa

Quando não sou feto nem fóssil.