terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Alguma juventude

Flutuando pela Bahia
A qualquer hora
Da noite ou do dia
O futuro é agora

Pode soar clichê
O que é de fato
Pra mim e pra você
Sorrindo no retrato

Alguma juventude
Ouso respirar
Em atitude, em saúde
Que me traz o ar

Sem me afogar em lágrima
Sem chorar chuva
Sem beber água
Porque nunca ajuda.

Sob paradisíaco tédio

Sob paradisíaco tédio
Brinco de domar a solidão
Evitando seu assédio
Levitando sem depressão
Levantando cem prédios

Eu ando apenas comigo
Pelas ruas e topo
Nos bares com meu amigo
Imaginário e bebo os dois copos
Ao menos, é o que consigo.

Ouvindo Rolling Stones
Com uma simpatia pelo diabo
Tento enganar a fome
Não me fazendo tanto de escravo
Quanto era anteontem.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

À mesa vinte

Da paranóia
À certeza
O boato bóia
Bebe cerveja

Quem diria
Também pudera
Em qualquer dia
De qualquer era

Uma mera pulga
Sairia da caixa
Sumiria com as rusgas
E mudaria de faixa

À mesa vinte
No século vinte e um
Não mais se finge
A origem de cada um

Emerso do oceano
Sinônimo de placenta
Todo ser humano
É filho por excelência.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Incontroverso

O que era difícil
Ficou para trás
Uma espécie de vício
De tempos ancestrais

O que parecia impossível
Virou uma saudade
Um curioso nível
De cumplicidade

O que soava complexo
Tornou-se tão simples
A ponto de ser incontroverso
Como se sempre existisse

O que aparentava ser completo
Fechou o chão, a roda
O caixão, o cemitério
E a funerária toda.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Gritante mesmo quando calado

Dispensando o supérfluo
Não compro mais briga
Eu me trago e me levo a sério
Ao pensar no que me abriga

Enxugando-me da chuva
Através do vento e da luz solar
A visão não fica mais turva
O ego começa a se desolar

Pelo benefício da suspeita
Deixo de carregar cruzes
Crases e crises alheias
Águias não são avestruzes

Adotando o tempo como presente
Gritante mesmo quando calado
O domínio está na minha frente
Dentro de mim e ao meu lado.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Momento oportuno

Voltar ao ninho
Não denota
Recuar-me no caminho
Nem laquear portas

É o momento oportuno
De apagar os incêndios
De me apegar a Saturno
E de pagar os dispêndios

Retornar ao lar
Não significa
Rebobinar
A minha fita

É o instante certo
De aparar as arestas
De reparar os dejetos
E de preparar a festa.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Póstumo presente

Quero ir pra frente
Sem nenhum pé atrás
Ao póstumo presente
Que depressa se faz

Sei que devo ser paciente
Feito um bom rapaz
Um dia o tempo me consente
Uma ninharia de paz

Apesar do mundo doente
E da crendice ineficaz
Tal caos não será pra sempre
Já está em transição, aliás.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

À janela mágica

Depois do colorido
Nascem as cinzas
Parto dolorido
Farto das tintas
Típicas do delírio

Antes da procissão
À janela mágica
Ergo-me com a detonação
De fogos pela data
De Nossa Senhora da Conceição.

Gargalo fino

Dentro do túnel
O rádio não pega
Perante o copo sujo
Recorro à caneca

Eu me desvio
De qualquer norma
Não deixo de ser normal
Por causa disso

Fora do ar
Não tem sintonia
Para acompanhar
O que antes unia

Eu me redefino
Despojado de fórmula
Ou de despejo formal
O gargalo está mais fino.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Em sordidez pura

Especula-se pelos cantos, à boca miúda,
Que houve avanços
Afinal tudo sempre muda
Entre a cura e o cancro
A partir de leis tão espúrias
Que me entorno ao santo
Em sordidez pura
Há rumores de que o arbítrio é livre
Tudo de graça tem o seu preço
Ouço as maravilhas do Stevie
Para ver se me esqueço
Dos problemas que nunca tive
Por um tempo que não se conta nos dedos
Nem para os vizinhos felizes.

sábado, 29 de novembro de 2008

A novidade do flashinstante

Lamento que alguns espetáculos
Gratuitos não dêem o canhoto
Já têm tantos tentáculos

O significado primoroso
De desodorante
Bem que poderia ser transodorante

As pessoas teleguiadas
Pensam que se acalmam
Fazendo dívidas e compras

Só acumulam sombras
Como se fosse brilhante
A novidade do flashinstante.

domingo, 23 de novembro de 2008

Algum contexto

Não sei se contesto
A mim algum contexto
Desconfio se gosto
Tanto assim do meu gosto

Reconheço o erro
De tentar ganhar no berro
Será que eu posso
Dançar perto do poço?

A mim algum contexto
Tanto assim do meu gosto
De tentar ganhar no berro
E dançar perto do poço

Não sei se contesto
Desconfio se gosto
Reconheço o erro
Será que eu posso?

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Pelo que me avisaram

Sábado não é segunda-feira
Para tanto calvário
Cinzeiro não é lixeira
Pelo que me avisaram

No tempo livre
E no de labor
Quero que me ligue
Só pra dizer alô

Gentileza não é praxe
Para evitar demasia
Franqueza não é gafe
Pode até virar poesia

Nas horas boas
E também nas más
Penso na sua boca
De lábios abissais

Coração não é objeto
Para tamanho descuido
Amor não é decreto
Mas determina tudo.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Quites

Eu me dispo
Dos desejos vis
Para mudar o disco
De pegajosos hits

Eu me disponho
A ser menos infeliz
Graças aos sonhos
Plenos em oito bits

Eu me disparo
E por um triz
Não acerto o alvo
Estamos quites

Eu me dispenso
Do que me fiz
Antes que o tempo
Dê os meus palpites.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Do sumo ao sugo

Aquieto meu coração
Contando os dias que destacam
A camisa e a toalha
Do pano de chão

Depois eu me enxugo
Com os mesmos trajes
O tempo aguarda e age
Do sumo ao sugo

Distraio minha mente toda
Pesquisando músicas
Dissipando dúvidas
Para adquirir outras

E eu me indago
Por qualquer ultraje
Meu ou da paisagem
Para ficar mais magro.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Eterna barganha

O que você acha
Que lhe falta
É nada perto
Do que tem descoberto

Não reclame pelo que não tem
Agradeça pelo que ganha
Tanto do mal quanto do bem
A vida é uma eterna barganha

Em vez de só querer
O que flui e rui
Admita que você pode ser
Muito mais do que possui.

sábado, 1 de novembro de 2008

O suportável de tolerância

Eu tenho menos lembranças
Do passado recente
Do que da minha infância

Eu não sou diferente
Tampouco igual
Ou tão inteligente

Tento ver através do temporal
Uma casa qualquer
Desde que imune ao telejornal

Mas não ao anjo que tiver
O suportável de tolerância
Para quem sou e para quem é.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Chega de couraça

A terra em febre draga
O que expele o dragão
O céu se arrasa
Sob o véu da razão

Chega de couraça
Se não me nega o coração
A saudade passa
Na celeridade da paixão

O espaço não acha
Seus passos no chão
Nada é suave ou se encaixa
Nem o cadáver no caixão

Mas o acaso se acerta
No ocaso do sertão
E as nuvens ficam tesas
Alhures de tanto tesão.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Salvo quando sonho

Contenho meus impulsos
Conto até dez mil
Não corto mais os pulsos
Não encosto no vazio

Não custo tão barato
Não degusto o esgoto
Não me desgasto de imediato
Não me descarto todo

Não abaixo o crânio
Não beijo o solo
Não me acho no pântano
Não fecho os meus olhos

Salvo quando sonho
Eu adormeço
E me recomponho
Para um novo começo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Renascimentos e suicídios

Pelo que eu me lembro
Não será para sempre
O tempo que nos demos
Nunca será perene
Não passa de dezembro

Ouvidos moucos
Para as pessoas
Que aos poucos
Consomem a própria peçonha
Na hora do almoço

Pelo que eu me recordo
Estaremos juntos
Como se fosse um acordo
Tácito e profundo
Em vigor no mundo todo

Se não me falha a memória
Envelheceremos unidos
Apesar dos pitacos de fora
Em renascimentos e suicídios
Antes, depois e agora.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Cáustica bebida do caos

As folhas estáticas
Aclaram o meu suor
A sede parece intacta
Com parca água
Para tamanho calor

O dinheiro é mais virtual
Do que a própria internet
Há bens vindo para o mal
Na cáustica bebida do caos
Calma, em breve o iceberg derrete.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Proparoxítonas

Quando a felicidade for sintética
E a poesia toda sintática
Meu sorriso não será tão cínico
Quanto a minha sisudez cênica

Quando a fé deixar de ser cética
E a medicina não for mais clínica
A humanidade não será tão crítica
Quanto o materialismo crônico

No frigir dos óbitos
Para fugir dos óculos
Cegos de tão óbvios
Eu me entrego em ósculos.

Da areia movediça à cama elástica

Da areia movediça
À cama elástica
A fidúcia me iça
Olvido a vida de lástima

Sob o fulgor dos astros
Abstraio os jacarés
Enquanto me alastro
Sem rastro de lama nos pés

Preciso de uns pinotes
Já boiei muito no brejo
Para saber que só se pode
Dissolver o ego num beijo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Uma obscura regalia

Pensei que tivesse feito
Alguma poesia
No entanto apenas dormia
Sobre o aconchegado parapeito

Como se fosse direito
Uma obscura regalia
Enquanto carcomia
Os baldrames do meu leito

Sorri às estrelas a despeito
De nenhuma alegria
Por encanto eu sumia
No pretérito, mas que perfeito!

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Do dote ao totem

Despertos os espíritos
Para que não devotem
Os tontos e os cínicos
Do dote ao totem

Incertos os poetas
Para que denotem
Broncos e profetas
Da sorte e do norte

Abertos os frascos
Para que extrapolem
Os sonhos e os fiascos
De porre em pólen.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Ares impuros

Um bocado em apuros
Eu me acalmo e penso
Nos ares impuros
Dos bares e templos,
Dos cárceres e institutos.

Ergo o copo e o rosto
E saúdo aos detentos
De todos os gostos,
Estudos e intentos
Pra sair do sufoco.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Espera e precipitação

Para quem pensa
Que a chuva leva
De vez toda a poeira
Da tez das janelas

Apenas água
Sequer lava
Sinônima palavra
Parece coisa precipitada

Às vezes fica de molho
Noutras sugere arrojo
Enquanto não resolvo
Se vou, se jazo ou se volvo.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Segundo as escrituras

Antes que vire depois
Não sonho mais em me perder
Somos além de nós
Para ninguém se prender

À base de pés e asas
Em vez de motor
À prova d' água
Em pleno vôo

Fortuna já madura
Segura o cavalo
Segundo as escrituras
Mais no talento do que no talo

Nunca doerá a quem doar
Um pouco do seu baú
Pois sabe que do ar
Todo tesouro é um.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Prêmio Dardos

Pô, é Zia! foi indicado para o Prêmio Dardos, destinado a blogues que contribuem de forma significativa para o enriquecimento da "cultura virtual".

Agradeço ao Fabricio Fortes pela indicação e divulgo as regras do prêmio:

1. Aceitar exibir a distinta imagem (à esquerda)

2. Lincar o blogue que lhe deu o prêmio.

3. Escolher quinze (15) blogues para entregar o "Prêmio Dardos".

Eis os meus dardejados:

Poliana Paiva http://flordelaranja.blogspot.com

Leandro de Paula http://fogo-de-artificio.blogspot.com/

Caio Carmacho http://noutratez.zip.net/

Beatriz Provasi http://www.numanoitequalquer.blogspot.com/

Telma Scherer http://telmascherer.blogspot.com/

Arthur Bezerra http://absurdosturos.blogspot.com/

Anana Clara http://ananaclara.blogspot.com/

Betina Kopp http://www.becodebb.blogspot.com/

Marcelo Tas http://marcelotas.blog.uol.com.br/

Daniel Murgel http://dmurgel.blogspot.com/

Lorena Poema http://lorena.poema.zip.net/

Bianca Feijó http://biancafeijo.blogspot.com/

Diogo Lyra http://fundodequintalliterario.blogspot.com/

Maria Clara Mazini http://www.o-ultimo-apague-a-luz.blogspot.com

Fabricio Fortes http://notasujas.blogspot.com/

Assaz cedo

Não sei se devo
Pensar muito
Pra inventar medos
E curtos-circuitos

O clima me desanima
Chovo como lá fora
Sonho só por fadiga
Acordo quando é agora

Ainda bem que escrevo
Imune à censura
Mas está assaz cedo
Pra não haver nenhuma.

domingo, 14 de setembro de 2008

Enxames

A minha sorte é que sou alfabetizado
Pra não levar a sério à margem do caos
As coisas que me perpassam o casco
Em enxames de palavras e imagens

Parando pra pensar um pouco mais
Os versos se afunilam
Mas não me amofino
Com a fama das rimas
Tem hora pra tudo
Com a saudade em puro ritmo.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O meu medo por mim mesmo

Quero escolher e colher
O meu medo por mim mesmo
Sem o custo de ser gratuito
Com o ônus de ser dono
Preciso ativar e cultivar
O negócio de ser eu próprio

Inalo a pessoa amada
Em três madrugadas
E aplaco a fuligem
Do incêndio que finge
Apatia a princípio
Tipo fogos de artifício.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Por extenso

O celular é um dos mais populares
Recursos dos solitários
Nos bares, nas vernissages
Depois dos guardanapos
Sórdidos de verdades
Que ainda guardo
Como se fosse alguma vantagem
Continuar calado

Aqui na dois de dezembro
Adulterando o calendário
Entre o Catete e o Flamengo
Escrevo pra não ficar acuado
Pra não explodir de tanto pensamento
De fogo, fuga e afago
Não me abrevio, sou por extenso
Sou todo o abecedário.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Testemunho

Eu quero ir longe
Mas com a garantia
De voltar para onde
O céu se desanuvia

Eu quero ficar perto
Mas com a hipoteca
De tudo dar certo
Até para quem defeca

Por necessidade
De cunho fisiológico
Ou por fétida vaidade
Testemunho amor no meu ódio.

domingo, 31 de agosto de 2008

Mortes e partos

Aqui tudo se nubla
Com sóis esparsos
À sorte da lua
Mortes e partos

Não vou ligar agora
Pro que me deixa louco
E totalmente de fora
Ainda é muito pouco

Estou tão tranqüilo
Quanto um coração
De novos centos quilos

E vou em sonho, embora vão,
Como um faminto
De alguma razão.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Ao que os deuses me dão

Estou cansado
Do próprio cansaço
Preciso cansá-lo
De tanto abraço

Estou acompanhado
Da minha fiel solidão
Que me faz solidário
Ao que os deuses me dão

Não cruzo os braços
Apenas os dedos
Não colo os pedaços
Mas tenho me refeito

Aprecio meu silêncio
No meio do discurso
Quando tusso e penso:
Pra quê isso tudo?

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Impacto empírico

Não alimento mais o temor
De que o destino esteja errado
Ainda sinto o doce tremor
Ao tocar aquele som no rádio

Pela paz de espírito
Abate-se o corpo
No impacto empírico
De respirar de novo

Mas também não espero uma volta
Ao mesmo decrépito ringue
De denúncias que nunca se esgotam
Gastando o que heroicamente resiste

Através de palavras,
Olhares e gestos
Algo nos salva
De um fim indigesto.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Para o advento da primavera

Sóis diversos
Fundam flamas de versos
E fundem a sisudez
Que me definha por imitar vocês

Chuvas estelares
Lavam almas e lares
Engarrafam o percurso
E me embriagam até ficar lúcido

Flores e amores brotam
Aos borbotões de bostas
Que geneticamente se alteram
Para o advento da primavera

Raízes se dilatam
Alçam marquises e calçadas
E me fazem claudicar
Quando não estou no ar.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

De qualquer forma, qualquer conteúdo

Não me interessam as normas
E as almas vestidas
Que somente ficam mornas
Mas nunca ardentes de vida

Tremendo menos de frieza
Do cínico sereno do que de pavor
Esperam que algo as aqueça
Mais do que o magro cobertor

De qualquer forma
Qualquer conteúdo
É o que conforta

Nem tanto quanto a nata
Uma pitada de tudo
É melhor do que nada.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Borda bamba

A decisão está tomada
E é irrevogável:
Não decido mais nada
Do que pertence ao tempo hábil

O que não me cabe
Eu despejo na rede e na rua
Antes que acabe
O desejo que continua

O que não mais fica
Em mim eu derramo
Nos rumos sem prumo da rima
Nas melhores casas do ramo

E o que permanece
É apenas a mudança
Dos temas em xeque
Na borda bamba.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Um sorriso, um feitiço

Passa um sorriso
Solar
Sozinho
Pelo ar
Feminino
A me filmar

Traz um feitiço
No olhar
Felino
Tenaz
Tinindo
A me fumar.

domingo, 10 de agosto de 2008

A hora viva

Não mais contemplo
Por não estar com tempo

Se bem que tento
Tanto quanto um sedento

Mas depois eu retorno
À realidade sem adornos

Sem os contornos
Com que me transtorno

E fico na expectativa
De fincar a hora viva

De fazer saliva
Parecer lascívia.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Fora onde entro

Eu me percebo fora do enredo
Só agora depois do final falaz
Ao passo que rola a fita, escrevo
E sou passado por quem me faz

Eu me filmo fora do eixo
E me abaixo pra ver se me acho
Se me deixo cair no seu beijo
Facho de luz no marasmo

Eu me observo fora do espelho
Onde entro pra saber quem me vê
Entre a contumácia e o desleixo
Mexo na farsa para que seja você.

Refúgio, porto e abrigo

Proclamo-te refúgio
Do meu martírio
Enquanto de mim fujo
Para qualquer paraíso
Que estiver no fluxo

Declaro-te porto
Do meu naufrágio
Enquanto de mim corro
Para qualquer estágio
Que estiver em jogo

Anuncio-te abrigo
Da minha tempestade
Enquanto de mim desligo
Por qualquer personagem
Que estiver comigo.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Se não agora

Eu fui embora
Crente que voltaria
A qualquer hora
Feito feitiçaria

Sigo em frente
O que não significa
Adiante para sempre
Diante da vida cíclica

O tempo sem queixa passa
Deixando as cinzas
Fechando a cara
De quem sorri ainda

Contudo continuo indo
A despeito da nostalgia
Tudo fica certo e lindo
Se não agora, nalgum dia.

domingo, 3 de agosto de 2008

Deve ser

Deve ser coisa boa
O que altera
O que escoa
Do espírito à matéria

O que sei é que só deve
Admito que não ajuda muito
Mas eu me janto leve
E faminto como um minuto

O que sinto eu considero
Que nem um sorriso de criança
No meio das luzes do cemitério
Na ilusão que anima e cansa

Deve ser alguma coisa
O que parece
O que ecoa
Do espaço à parede.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Sonhos e atos

A vida é fatal
E vivida por fatos
De forma frontal
Entre sonhos e atos
Num estranho ritual
De resgate e rapto

Na idade média atual
Dos dias rápidos
A solidão é a tal
Pedra no sapato
Sob uma idéia fractal
De afetos fracos.

domingo, 20 de julho de 2008

No vazio, no verso, no vácuo

Ao longo destes anos
O sonho abandonou o verde
Para um vermelho brando
E o branco furou a parede

As janelas se descortinam
Para o novo visual
E é inútil a surdina
O silêncio diz por geral

Não vacilo diante da tristeza
No vazio, no verso, no vácuo
Até nas coisas que não mais pesam
Agora com um leve tom de fracasso

Contudo, como tudo o que acontece,
Valeu apenas a pena
E lavou-se a alma em prece
Para voltar a ser plena.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Passo

Ando por entre os prédios
Para espantar o frio
Soprado da praia

Quando tosse o tédio
E me expectoro sozinho
Torço pra que a expiação saia

Passo sem enxergar nos olhos
De quem passa por mim
De quem deixo passar

Colho o imbróglio
E as pragas no jardim
Pra que não me espalhem mais.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Oxalá

Consciência bem leve
Para não quebrar a cadeira
Os pensamentos em febre
Não estão de brincadeira

As palavras não arrefecem
As lavas na minha cabeça
E as valas do meu cerne
Oxalá que o tempo esclareça

Almejo que os anjos me levem
Para longe da cratera
Qualquer lugar serve
Se você lá me espera.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

São tantas coisas

São tantas coisas
Para descrever
Que será pouca
A minha explanação

É preciso força
Para me fazer valer
Mais do que uma mosca
Sobrevoando qualquer chavão

Enquanto não toca nem pousa
O disco para resolver
O mundo em polvorosa
Vamos de circo e pão

Talvez isso possa
Ser melhor para você
Uma bossa nova
Mas prefiro baião.

Paraty para mim

Cidade perfeita
Para a aposentadoria
Saudade que me deita
De tão onírica

Confesso que ainda estou por aí
Nos ecos da madrugada
Desvirginado ao proferir
Os meus gozos da alma

Mais do que às vezes é o meu lar
Pelos deuses protegido
Caí na real que é o lugar
Que me remete ao paraíso

Ando em suas ruas em sossego
De pedras etéreas em desalinho
Como se estivesse trôpego
Mesmo sem ter bebido

Parada no tempo
E além do futuro
Paraty é o alento
Até do porto seguro

Recepção feita
Para todas as telepatias
Dispensa sobremesa
Se a refeição principal é poesia.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Longe do limbo

Um dia qualquer
É o mais importante
Para quem quer
Sorver cada gota de instante

Leve-me direto pra casa
Antes que o teto caia
Se o tempo atrasa
Que o paralelo atraia

Da superstição à fé
Da certeza ao afã
Do chá ao café
Vou achar a solúvel manhã

Tento manter os olhos limpos
E antenados pelo volume do cabelo
Para ver o alvorecer longe do limbo
Penteando a vida sem espelho.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Hidrelétrica

O desejo estranho
Que me doma
É do mesmo tamanho
Da minha redoma

Quero estar ao redor
Ser cansa demais
Para raiar e se pôr
Entre nuvens colossais

Trago o meu choro
E me cuspo ao alto
Enquanto me devoro
Não sei se atinjo o alvo

Devo ir junto
E sair da quarentena
Se eu não pergunto
A dúvida aumenta

Não perco mais tempo
Com as horas críticas
Contando e contendo
A vida nunca é ridícula

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Volátil

Eu observo de praxe
Se sugere mais novidade
Do que mensagem

Volátil que sou, descuido
Dos meus calçados sujos
Até lavá-los no dilúvio

Meu corpo não se deita
Todo de primeira
Enquanto chora a torneira

Meu coração me agita
Tanto que nem cogita
O tamanho do rolo da fita.

Off

Off-fliperama
Off-filipeta
Off-felipe massa de autorama
Off-flipoeta

Em árdua marcha
Até que respire, pire & pife
De graça na praça
Do apreço ao ar livre.

Na proesia de Val

Qualquer conversa
Supera o trivial
Sobre a mesa
Copos e algum sal
Pra rebater a cerva
Pra debater qual
Quer papo em conserva
Na proesia de Val.

terça-feira, 24 de junho de 2008

São Cosme e Damião, Roberto e Erasmo em pleno São João

Embora eu poste
Em pleno São João
No dia de São Cosme
E Damião
Há doces que se cospem
De antemão

Eu corria muito atrás
Quando era menino
Gostava de ler o Atlas
Decorando nosso hino

Agora ouço Roberto e Erasmo
E admito não pouco pasmo
Que todos estão surdos
E a gentileza soa um absurdo.

Ossos, regras e coisas afins

Mexo os tamborins
Dos meus dedos ansiosos
Pra arrepiar a pele
Pra requebrar os ossos
Regras e coisas afins
Deixo pro fim de quarta
Quando a fantasia diz até breve
E se veste de gravata.

Sobre os cegos voluntários

Como um terceiro olho
Sobre os cegos voluntários
Ligou-me logo
Atendi ao chamado
Todos no mesmo barco
Demorei um bocado
Mas entendi o recado
Não é receita de bolo.

Não me dizia nada, mas ele falava

O olhar do menino
Não me dizia nada
Mas ele falava
Com seu sotaque
Em tom de ataque
Que queria uma calça.

Para qualquer parecer

O corpo é perecível
Nutrir a alma é preciso
Por mais que me desloque
Para qualquer parecer
Vai haver sempre um toque
Subjetivo no que disser.

É fácil ser medíocre

É fácil ser medíocre
Saber o fim do filme
O que será de mim
Parece tão simples
Que fica difícil
A fim de que se refine
O que no início
Por capricho não se define.

De longe desperto dormindo

À noite tudo
Fica mais solar
Quando quero muito
Freqüentar só lá

Antes de a hecatombe assolar
E de soar catacumba vosso lar

E se as profecias fossem refeitas
Virando um feriado no domingo
E escafandros para borboletas?
De longe desperto dormindo

Depois de o cataclismo
Estiver disposto a ser meu amigo.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Do balde ao rio

Um dia se descobre
A baldia contenção
Da cobiça nobre
Sob movediça tensão
Do balde ao rio

Boto a cara
E o corpo na janela
O tempo está firme
Para todos os fatos
Em pleno solstício

Talvez não queira
Apelar ao blefe
Ao pular na fronteira
Entre a órbita leve
E o glamour do abismo

Bato as asas,
À porta e a tecla
Por uma ponta no filme
Sei que não é fácil
Portanto eu me arrisco.

terça-feira, 17 de junho de 2008

A seja lá o que for

Não sou ator
Nem aspirante
A seja lá o que for
Que a sorte me chame

Não sou um perdedor
Nem invicto no tatame
Pra sair de onde estou
Eu ando em transe

Não sou mediador
Muito menos militante
Da minha própria dor
Apupada no palanque

Não sou curador
Nem marchand
De obras sem valor
Estética estanque

Não sei quem botou
Água no champanhe
Pra quem se sabotou
Falta outra chance

Nunca fui professor
Mas um estudante
Que se confessou
Inapto no exame

Não me acho desertor
Tampouco infame
Conheço quem eu sou
Por mais que me estranhe.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Da era de Aquário

Uma alegria
De água fresca
E sombria

Entorna certeza
Errática e sóbria
E as cartas na mesa

Não sei se as leio
Ou se as jogo
Seriamente alheio

Ou se apago o fogo
Ou se me incendeio
Cedo logo

Aos ditames
Do tempo sábio
Bem antes

De ficar inábil
E distante
Da era de Aquário.

domingo, 8 de junho de 2008

O sol mágico

Além da alcova
Existe o sol mágico
Qualquer luz nova
Alivia o náufrago

No caminho externo
O que parecia
Impreterível e eterno
Já perecia

Pintam tantos pactos aflitos
Até o pára-raio vulcanizar
O diabo e outros detritos
E o árido se derreter em mar.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Só junto

Não estou mais indeciso
Entre o aferro
E a estreita fresta

Não mais tremulo
Entre o fantasma
E o espasmo do cadáver

Não é nenhum paraíso
Muito menos inferno
Nem motivo para festa

Quero jazer só junto
Ao que me entusiasma
A usar novas chaves.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Estrelas no jardim

Na bondade de deixar de ser
O que me deixa assim
Sem vontade de querer
Botar logo um fim

Hei de descer
De onde eu vim
Para com o sol ascender
E acender os dias ruins

Necessito ceder
A fim de nascer enfim
Depois que chover
Estrelas no jardim

Poderei colher
Menos não do que sim
Dos santos, de você,
Do tempo e de mim.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Benesses

Enquanto domo o sono
Sei como o tempo me encara
Entre fantoche e dono
Da minha fortuna rara

No outono tudo parece
Um sonho tão remoto
Que me traz benesses
Até dos terremotos

As águas-de-coco
Jorrando das calçadas
Apagam das tochas o fogo
E das solas as pegadas

A divindade escreve
Com sacolejo próprio
Em temperatura de febre
Os cabíveis versos tortos.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Respostas repostas

Se as perguntas
Estão mais difíceis
Do que nunca
Pintarão os revides

Pois nada disso é causa
Para desatino e pressa
Sem destino autêntico

Se as respostas
Andam demovidas
Serão repostas
Ainda nesta vida

Apenas o fito na calma
Onde o infinito se manifesta
Dará o grito a contento.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Em nós o reconhecimento

A lua é nova
No mole firmamento
Sem nenhuma folga
Saturno está sempre atento

O mar é grande
E fatal feito o tempo
Sem nenhuma chance
Netuno só parece sereno

A vida é nossa
Sobretudo no pensamento
Sem nenhuma hora
Mercúrio não é mais lento

O amor expande
Em nós o reconhecimento
De um senhor romance
E envelhece o esquecimento.

sábado, 3 de maio de 2008

Um retiro no escuro

Um retiro no escuro
Um fluxo às cegas
No tato, no susto
Um salto na selva

Um novo tiro
Para as nuvens
Claras no abismo
De grilos inúteis

Entre o nulo verbo
Da língua telepática
E o profético verso
Ainda na fábrica

Um pródigo norte
Aos pés sábios
Através de um forte
Sabor de sábado.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

De uns tempos pra cá

Passei a querer ser
De uns tempos pra cá
O que tento parecer
Preciso me procurar

Ao riscar o fósforo
Ao correr o risco
Ao rasgar as fotos
Em que estou ridículo

Apenas para quem teme
Perder o que pensa que tem
Sobre a terra que treme
Inumando o desumano trem.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Sob domesticação selvagem

Não posso regressar
Quando fui tanto pra frente
Se eu ando pra trás
O tempo fica logo impaciente

Agora eu não recuo
É tarde para quem pensa
Na saudade cara de um minuto
A idade declara sem clemência

Mesmo arfando, não retrocedo
Depois que abiscoitei coragem
Abafando medo
Sob domesticação selvagem

Na onda do oceano
Que estronda até no retorno
Ao passar dos anos
Às estrelas através do lodo.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Cheio de horizontes

Antes que me desmonte
Distante da alma
Laxante do ar
Enxergo uma ponte
Chego a arquitetá-la
Por apreço ao lugar
Nado neste monte
De fardo, de água
Chamado de mar
Cheio de horizontes
Com cheiro de nada
Feito por não tentar.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Calores e incêndios

Se os meus desejos são
Irmãos dos do seu coração
Bebamos do refresco do tempo
Entre calores e incêndios

Naveguemos no que nos circunda
E não nos afunda nunca
A despeito das tempestades
E dos egos em combate

Nossa química passa por cima
Dos belicosos climas
De frases bombásticas
E ávidas pela última palavra

Nada como um armistício ao telefone
No desígnio de adormecer a noite insone
Se os meus sonhos se assemelham
Aos que lhe despertam a cabeça.

sábado, 12 de abril de 2008

A cada dia pintado a óleo

Eu me contento
Não é que eu me engane
Com as coisas incorpóreas que tenho
Da história e no espírito a sangue

Eu me satisfaço
Não é que eu abdique
As idéias absurdas que faço
Com garra, na guerra e no piquenique

Longe de ser pernóstico
Tiro o meu chapéu
E o velho véu daqueles óculos
Para reconhecer o céu

A cada dia pintado a óleo
Graças a um alheio pincel
Mas íntimo aos olhos
Desde que o mundo nasceu.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Do que te fere em mim

Eu fico mais abjeto
Do que anjo no inferno
Quando te molesto

Eu estou dividido
Entre o sigilo tímido
E o grato grito

Eu me sinto tão só
Quanto o que te dói
Espólio de brechó

Eu sou a tua família
E tu és a minha
Conexão transvitalícia.

terça-feira, 8 de abril de 2008

A misteriosa bússola

Os dias andam tão depressa
Que amanhã o ano acaba
Sem nenhum afã para a festa
A fim de que o calendário não saiba

Confesso que estou confuso
Não sei se alguém me explora
Ou se eu próprio me uso
No mofo que produzo agora

Desta parede de intrigas
Podem cair raros quadros
Porém somos almas amigas
Em corpos conjugados

É mister me guiar pelo coração
A seguir a misteriosa bússola
Porque as portas se abrirão
Para prosseguir com a busca

domingo, 6 de abril de 2008

Numa hora dessas

Quando acaba a adolescência tardia
Os meus trajes a rancor
No ocaso coberto de razão e de dia
Extraem o que não combinou

Sei que não posso me afugentar
Da minha própria caveira às pressas
Mas eu me aventuro a agendar
Um encontro comigo numa hora dessas

Só pra cruzar o rio de jacarés
Da fortaleza munida de armas
À procura da fleuma de muitos mil-réis
No mercado dos carmas.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Maiores pormenores

Um farelo de juízo
Uma pitada de finura
Entre o apego e o aviso
Arredo o afeto da fúria

Uma miséria de cautela
Uma bagatela de calma
Enquanto o tempo atropela
Quando não pára

Uma migalha de espelho
Uma nesga de olhar
Para dentro de si mesmo
Guarda a casa singular.

sábado, 29 de março de 2008

Vigas e alvenaria

Enquanto as pessoas passeiam
Cantando numa boa no inferno
Eu tento ser mais do que uma idéia

Cada dia que atravesso é livro
E dica para os versos que ponho
Entre vigas e alvenaria do abrigo

Ao passo que as pessoas dançam
No atraso que pensa em ser eterno
Eu experimento a nossa esperança

No olho do furacão medonho
Fora o medo da fusão, há indícios
Demais para ser só um sonho.

terça-feira, 25 de março de 2008

Como sempre se quis

Chega de saudade
Que chegue salutar
E saliente a felicidade
A fim de nos saudar

Como sempre se quis
Embora não pareça
Por causas e casos hostis

Basta de jogos
Basta nos jogarmos
À vida tão logo
O maremoto vire lago

E ainda a página e a mesa
Para um arremate feliz
O acaso nos arremessa.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Por volta das nove da noite de amanhã ou Qualquer data de validade

Ludibrio a fome que não some
Com quase um litro de som

Espero alguém que me ame
Por volta das nove da noite de amanhã

Escultura de unhas caninas
Deportação de cravos

E das conterrâneas espinhas
Do rosto menos pesado

Tirando os fios brancos
Do couro cabeludo

Da capa do crânio
Do cérebro em estudo

Penso que venço o tempo
Mas é só a mim mesmo

Qualquer data de validade
Mata cedo ou tarde.

domingo, 23 de março de 2008

Graça e agressão

Não quero mais obter
A felicidade ingrata
Agora me apetecem
Novas formas de saber
E de saborear a inata
Soberba da espécie

Não gosto mais de agradecer
Pela felicidade irresistível
E falsificada nos intervalos
Em graça e agressão ao ser
Hipnotizado no hospício
De rédeas, alfafas, éguas e cavalos

Não preciso mais perder
A felicidade interior
E ardente desde sempre
Para outra vez me compadecer
Ao perceber o sabor
Acerbo entre os dentes.

sábado, 22 de março de 2008

Apesar da gravidade

Nas cores leves do dia
Alegre de aleluia
Pior nunca do que tardia
A plenitude da lua

E das estrelas de outros futuros
Apesar da gravidade
Do fácil entendimento

Ao pisar os pés de chumbo
É como se sobrevoasse
O baque após este momento

Além do sábado
E do estado do continente
De pés de barro
E de utopias pertinentes.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Depois do dilúculo

O estômago queima
De chocolate no vácuo
E a noite em ondas teima
Em chacoalhar o barco

Depois do dilúculo
Durante o calor fraco
Dentadas nos músculos
Salivam por sustentáculos

Os livros de astrologia
Proporcionam algo
Que eu já compreendia
Num sentido mágico

Coca-cola zero
A essa hora sugere obstáculos
Na caça por sossego
Mas não embaça como álcool.

sábado, 15 de março de 2008

Cigarra

Não sou mais supérfluo
Com briosa paz, eu supero
Os encantos do efêmero
E os quebrantos de Érebo

Os tempos estão estranhos
E sinto uma calma higiênica
Mas ainda me banho
Com uma fina urgência

Não posso ser tão melífluo
Senão adoço demais e me melo
Com a burocracia das formigas
Sou cigarra antes das cinzas.

terça-feira, 11 de março de 2008

Um amor tão

Um amor tão belo
Abole com beijos
O clima bélico
Pra não ficar cabreiro

Um amor tão robusto
Quanto brusco
Faz jus a estátuas e bustos
Em locais públicos

E não é em virtude
Da inversão dos pólos
Nem do degelo das calotas

Mas para estar amiúde
No cinema dos olhos
Ou, ao menos, à porta.

terça-feira, 4 de março de 2008

Secreto decreto

É mais do que uma mera frase:
Uma nova era nasce
Alheia à cova de praxe
E anexa às covas da face
Deixa de ser entrave
Queixa-se do quase
E derrota a imobilidade
Da porta sem a chave.

É muito menos capricho
Do que um secreto decreto
Reciclo o tempo e o lixo
Já fedendo de velho
E no melhor sentido
Eu me altero
Para me aturar fixo
Na altura do que for descoberto.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Sorrindo por sorte

No fim tudo se resolve
Feito um rio que flui
Sorrindo por sorte

Não vou mais aonde fui
Já sei a prova dos nove
E como o ego me comove e me rui

As palavras no cofre
Sofrem enquanto não se conclui
O mistério de conceber estrofes....

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Até surgir o sentido

Não peço que acredite
Apenas observe
Admito meus limites
Meu vício é a verve

Abstêmio de substâncias
Pesadas e leves
Mantenho comigo a ânsia
De quem não escreve

Até surgir o sentido
De algo que nunca teve
Para aqueles convencidos
De que a arte não serve.

Para o saldo virar positivo

Como se eu não tivesse futuro
Tampouco passado
Por este caminho duro
Sinto o presente menos fechado
Mais presente do que mudo
Mudo o que prima
De errado no mundo
Erradico do clima
O desvairado lucro
Para o saldo virar positivo
Enquanto me desiludo
Com os senis princípios
No intuito de sugar o sumo
Fresco da chuva singular
Com que me asseio a rumo
Do meu berço, do meu lugar.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Meditar

De coração aberto
E pensamento quieto
Careço me editar
Só com melhores momentos
A fim de que recorde ao meditar
Tudo o que seremos
Para quando me ditar
Consigo, meu sustento.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Fora do tempo

Continuo crendo
Em horas e minutos do dia
Fora do tempo

Segue célere o trem
Com desdém na trilha
Parece que nada o detém

Porém só aparenta
Enquanto não descarrila
Na próxima tormenta

Longe de alarmes
Despertemos pra vida
É alma em vez de carne

O absurdo se descarta
Quando se concilia
Com as coisas abstratas.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O que nesses dias sucede

Estou resignado e cansado
De gastar com geral o meu latim
De me jogar pra tudo quanto é lado
Julgando que é melhor assim

Reconheço que não presta
Bater a minha cabeça grogue
Em todos os bares e festas
Esperando que alguém brote

O que nesses dias sucede
Transcende o próprio sucesso
Sacia o apetite e a sede
E seduz além dos limites do sexo

Não há nenhuma pessoa
No seu e em qualquer lugar
Que me entenda e me ouça
Apenas pela força do olhar

Por mais que eu invente
Palavras, conjunturas e gestos
Nunca estaremos ausentes
É sólido, gasoso, líquido e certo.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Ainda ando

Saio da hipnose
Entro na minha alma
Como se não fosse
Um grande trauma

Entretanto é
Entre tantos dilemas
Não perco a fé
Tampouco no cinema

Contrariando
As mais otimistas estimativas
Em ondas ainda ando
Às tão estimadas expectativas.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Da realidade do absurdo

Ouvindo como a chuva
A música que me fez
A vontade única
A última vez

Eu paro e admito
Que os tempos mudaram
Os lábios do infinito
Quase beijando a cara.

Mas não é motivo de susto
Para quem não tem medo
Da realidade do absurdo

Eu vivo e recomendo
Um pouco mais de mundo
De loucos acontecimentos.

domingo, 27 de janeiro de 2008

A tiracolo

Gasto muito dinheiro
Mas não levarei nada
No dia derradeiro
Da minha jornada

Confesso que bolo
Com as loucuras
Que tenho a tiracolo
No outro lado da lua.

Escrevo

Escrevo de modo compulsivo
Para moldar a solidão
Senão eu não sobrevivo
Nem se tivesse um milhão

De reais privilégios
Se eu não escrevesse
Seria um sacrilégio
Um maior estresse

Escrevo para não parecer
Parado, enfadonho
Não saboto o que serei
Concordo com os meus sonhos.

Entregue à sorte

À janela de um lugar
Que nem estudei
Vejo sem olhar
Descubro o que sei

Papel higiênico
Como suporte
Do meu pensamento
Entregue à sorte

Embora sozinho
Não me sinto triste
Longe do ninho
Do dedo em riste

Eu quero na verdade
É passar mal
De tanta felicidade
Afinal, é carnaval.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Crônica morte anunciada

Conto até dez
Respiro fundo
Mais uma vez
Penso no mundo
Morrendo por leis
Acatados estupros
Eu e todos vocês
Estamos juntos

No mesmo barco
São muitas bocas
Para poucos pratos
Caem as bolsas
Fichas e trocados
Para comprar coisas
Sem nenhum legado
Nem sob fiança ou à força.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A mídia e a bíblia

O mundo se dilui num escarcéu
Maior do que os presságios
Entre a terra e o céu
Não tem essa de pedágio

Creio menos na mídia
Do que nas entrelinhas
Não leio a bíblia
Sou mais as ladainhas

Assisto aos telejornais
Como se estivesse num enterro
As imagens são tão brutais
Quanto as sessões de descarrego

A humanidade já morreu
Não veio sequer o padre
O que diria o diabo ou Deus
Ao ver sua obra de arte?

Só às vezes

A chuva por ora cessa
A cabeça não fica
Suja nem possessa
Está aberta a bica

Lavo as minhas mãos
E levo as suas
Instrumentos irmãos
Que secam e suam

Água sem mágoa em gás
Verte palavras leves
Como o ar
Bebo a sede

Necessidade tão remota
Quanto as fezes
Que não se mostram
Sempre, só às vezes.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Como um alento

Eu não escrevo
Só por passatempo
A moça da mesa perto
De mim redige correndo

Com ou sem cerveja, versejo
Como um alento
À solidão pétrea
De outras eras.

Eu também gosto de ler
Quando estou só
E nas vezes que quero ser
Jogador de futebol

Talvez não me faça entender
Tampouco o sol
Que teima em esconder
O verdadeiro farol.

Eu não me deixo

Estou com os pés
Apontados à porta
Caso não tenha vez
Para as chaves tortas

Estou com a voz quase
Nula de tanto gritar
A inata frase
Que se mata no ar

Eu uso a caneta
No lugar do cigarro
E a minha veneta
Contra qualquer pitaco

Na boa mesmo
Estou bem assim
Eu não me deixo
Nem por mim.

Alternativa

Através de palavras
Não consigo dizer
O que quero que saiba

Não é mesmo pra perceber
Nem que seja na marra
Ou de modo cortês

Cada um vive
Como bem entende
Na loucura, feliz e livre

A vida se faz na lente
E a alternativa num clique
Revela-se pertinente.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Pombos, pipocas e carnaval

Pombos não voam quando
Há pipocas, ainda que poucas,
No chão esquentando
Na cidade carioca

Mal começa o ano
E não ouço outra prosa
Em todos os cantos
Em todas as rodas

É carnaval enquanto
A vida dá escolhas
E eu nem opto tanto
Depois tudo se acorda.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Tenho que arrancar

Tenho que arrancar de casa
Os sacos plásticos cheios
De cinzas, de cacos, de mágoa
E os e-mails da caixa de correio

Tenho que arrancar de mim
As fezes, os medos, os suicídios
A poeira, o gesso, o motim
E esta pessoa da tabela de indivíduos.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Não mais

Não mais peço
Apenas agradeço
A cada manhã
Que acordo

Não mais desço
Já sei o preço
Amargo da maçã
Que mordo

Não mais meço
O que perco
E as posses vãs
Que engodo

Não mais esqueço
O meu endereço
De nunca pra amanhã
Eu transbordo.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Sou uma pessoa

Tirei o dedo da tomada
Rasguei o medo e a camisa
Sou uma pessoa aguerrida
E a decisão está tomada

Larguei a bola de ferro
Recebi alta do hospital
Sou uma pessoa capital
Se não for, eu me ferro.