sábado, 28 de setembro de 2024

A realidade é uma fricção

 


O coração me bombeia

A visita de quem bamboleia ausente

A televisão me bombardeia

O partido do dinheiro

Nunca está rico o suficiente 

Caem da prateleira os brinquedos

Os cacos cortam mais do que os dentes


Rasgam mais do que as unhas

Pendentes de calma e insones

Palavras se dissipam nas ruas

Piscam palavrões como ódio e fome

Inteligência é se agarrar à alma

Sem rogar por noites boêmias

Deixando chegar a luz imediata 


Para resgatar poemas

Reaprendendo a bater palmas

Livre de razão e de outras algemas

Há promessas em excesso

E lembranças a mil por hora

Em abraços possessos 

De esperança, embrasada espora


Várias vidas são vertidas

Em transes, em impunes mídias 

Nos túneis não há astros

Nem chances de cuspe no chão 

Apenas para o alto

Incontáveis rastros de vidas

De ficção, nuvens de fato


Plásticos dragões e esgotos

Drásticos contratos

Perigosos dados em jogo 

Regado a gotas geladas de suor

O mundo pega fogo

Não rola se jogar da janela do quarto 

Nem se perder pelo corredor 


A realidade é uma fricção 

Mudança na cabeça de bagre 

Ponto de espanto, de inflexão

A dança do próprio milagre

Avança todo santo dia

Inúmeras praias virtuais 

Quase nenhuma terra à vista


Galera, há tantas vidas

E guerras, silêncios de decibéis glaciais

Conversas cruéis e banidas 

A bagatela de estresse

Agora se converte na paz, no amor

E no bem como se pudesse

Representar tudo numa peça só.




quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Meu labirinto familiar


A alegria líquida

Alivia e liquida

As horas que não sentem

Saudades nem o presente 

As memórias fabricam


Paraísos desde a tensa idade

O tempo invariavelmente brinca

A água evapora e invade

Por ora, eu não posso 

Perder mais tempo


Do que penso que tenho

Ainda não virei fóssil 

Eu devo, eu não devo

Temer as chaves e perdas

Para mover naves, pedras


E outros enlevos, escrevo

Para escalar o lar, o laboratório 

Meu labirinto familiar

Onde elaboro aleatórios

Instantes e instintos daqui, de lá


Anteontem na Rua São José 

Quase com a Rua da Quitanda

Não vi uma pessoa qualquer,

Eu vi Chico Buarque de Hollanda

Más não consegui tirar uma foto sequer


Pela sua rapidez no andar

Pela minha reverência que nada mais é 

Do que uma timidez nefanda

Poesia é a notícia sempre atual

Até após a eternidade da ciranda


Daquele baile, missa ou sarau

Para tirar a máscara 

Não sou faraó, general

Tampouco atleta ou caubói 

Sou só um poeta de Niterói 


Dando nó em bingo de mágoa

As coisas não se mensuram

Pelo que custam 

Mas pelo que custaram

Para quem as conquistou


Não combinam na cor os pratos

Com os copos, facas e garfos 

O que de fato importa

É a fome morta

A mesa está posta.



segunda-feira, 9 de setembro de 2024

República de Marlboro

 

Na República de Marlboro

O repertório musical

Não pode ser duradouro

Reflete o gosto monocultural 

E amargo dos agrossenhores 


A dança é densa

E assino pelo dia em que chegarão 

Como cinema, Lady Leveza

E o seu batalhão 

De atabalhoados apoiadores


Na República de Marlboro

Tudo é antinatural 

Exceto o que notei há pouco 

Ao me ver na tela residual

Após cerrar os olhos


Na beira, no centro do fogo

Labaredas bailam

Nas alamedas, dentro do foco 

Nada se ofusca nem se embaça

Fora da República de Marlboro 


A festa é voraz e pesada

Logo mais pintarão

Entre fumaças, a alvorada

E o seu coro em profusão 

De curiosas cores


No exílio da República de Marlboro

Onde já teria sido a terra

Da República de Marlboro

Saltarão dos resíduos da tela

Um suspiro e os meus delírios todos.



quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Exploração espuma

 


A natureza morta

Das fruteiras

A geometria torta

Das fronteiras

Abrindo a volta


Abraço da porta

Colheita da janela

Olhando o que resta

Após o breu das moscas

Nas feiras, nas festas


Sou eu entre as coisas

Das bandeiras nas férias 

Da simbologia cônscia

Pressão nas frestas 

Frenéticas colônias 


Nada é faz-de-conta 

Tampouco eu fui

O que serei não é da sua conta

Cego desapego de baús

Segurando as pontas 


Alma bela e fera

Da minha saga, não a dos gurus

Alguma água fresca 

Penumbra, meia-luz

E a melhor sombra


A realidade é faz-de-conta 

Fui o que compus

Ao que serei já não sou contra

Prego, ego, pus, cruz

Não ressuscita quem não sonha


Retórica interesseira 

Dos pastores impostores 

Operação alvissareira 

Dos senhores das dores

Da engenharia, da arte


Da ironia, da empresa, da loucura 

Da engenhoca presa 

Minhocas inconfessáveis

Saudades, pesos e bolores 

Acertos, erros e memórias fáceis


Bom senso, amores

Exploração espuma

Explosão do que for

Explicação nenhuma

Qualquer esplendor.