sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Petricor

 



Franco passado

Contentamento melancólico

O costume está pasmo

Nos olhos a cor do caos


Por detrás dos óculos

Escuros e os degraus 

Galgo da escada rolante

De uma antiga galeria


Do centro da cidade grande 

Querida, como renascer 

Sem a garantia de deixar morrer?

Quem é que me garante?


Frango assado

Tela de cachorro

O praxe está passado

Se morri, nasço de novo


As ilusões estão enterradas

São alimentos para o solo

O cheiro da terra molhada

É um bilhete com que me desloco


O odor e a dor que eu bisbilhotava 

Dominavam junto com o oxigênio

Sem morte, camarada, 

Não há renascimento


O petricor me transporta

Para uma camada de outro milênio

O pretérito não volta

E me sinto mais perto do destino


O petricor abre as portas 

Com o perfume em forma de sentido

O passado não se altera

O que está feito não se desfaz


O momento é o leito da atmosfera 

O futuro não se mostra jamais

Meu amor, eu moro no petricor

Atrás dos óculos coloridos de sol


Nos meus olhos, nos dias de calor

O olor que lembra as presenças

E os milagres de pessoas 

Calorosas nas tardes lentas


Adoro a essência terrena 

Os ancestrais dependiam da chuva

Para a própria sobrevivência

Das profundezas do mar, beleza pura


O petricor em mim pousa

No ar gritantemente sorridente 

A fragrância voa, voa, voa

Com as coisas boas de sempre


Com os sonhos da velha infância

Um bom aroma da terra

Úmida povoa as lembranças 

Sou atualmente daquela época


Mesmo espaço, outra instância

Eu fico pensando, lembrando 

Viajando com o que vi

Achando hoje tudo estranho


O presente pode ser um souvenir

Passado franco, vento de ausência 

Avanço, todavia não fujo de mim

O vulto que a vontade inventa


As cinzas empilhadas num canto 

Agora revoam, não estão mais aqui

Sacando maravilhas do fundo do oceano

Sem falecimento, não há renascença


Sou do tempo em que o silêncio

Tinha perfume, luz e licença 

Subo a montanha cá dentro 

Meus pés possuem asas


Através de uma particular dança 

Ensaiadamente improvisada

Enquanto o petricor me alcança

Como renascer sem que morra nada?




















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