Franco passado
Contentamento melancólico
O costume está pasmo
Nos olhos a cor do caos
Por detrás dos óculos
Escuros e os degraus
Galgo da escada rolante
De uma antiga galeria
Do centro da cidade grande
Querida, como renascer
Sem a garantia de deixar morrer?
Quem é que me garante?
Frango assado
Tela de cachorro
O praxe está passado
Se morri, nasço de novo
As ilusões estão enterradas
São alimentos para o solo
O cheiro da terra molhada
É um bilhete com que me desloco
O odor e a dor que eu bisbilhotava
Dominavam junto com o oxigênio
Sem morte, camarada,
Não há renascimento
O petricor me transporta
Para uma camada de outro milênio
O pretérito não volta
E me sinto mais perto do destino
O petricor abre as portas
Com o perfume em forma de sentido
O passado não se altera
O que está feito não se desfaz
O momento é o leito da atmosfera
O futuro não se mostra jamais
Meu amor, eu moro no petricor
Atrás dos óculos coloridos de sol
Nos meus olhos, nos dias de calor
O olor que lembra as presenças
E os milagres de pessoas
Calorosas nas tardes lentas
Adoro a essência terrena
Os ancestrais dependiam da chuva
Para a própria sobrevivência
Das profundezas do mar, beleza pura
O petricor em mim pousa
No ar gritantemente sorridente
A fragrância voa, voa, voa
Com as coisas boas de sempre
Com os sonhos da velha infância
Um bom aroma da terra
Úmida povoa as lembranças
Sou atualmente daquela época
Mesmo espaço, outra instância
Eu fico pensando, lembrando
Viajando com o que vi
Achando hoje tudo estranho
O presente pode ser um souvenir
Passado franco, vento de ausência
Avanço, todavia não fujo de mim
O vulto que a vontade inventa
As cinzas empilhadas num canto
Agora revoam, não estão mais aqui
Sacando maravilhas do fundo do oceano
Sem falecimento, não há renascença
Sou do tempo em que o silêncio
Tinha perfume, luz e licença
Subo a montanha cá dentro
Meus pés possuem asas
Através de uma particular dança
Ensaiadamente improvisada
Enquanto o petricor me alcança
Como renascer sem que morra nada?
Nenhum comentário:
Postar um comentário