domingo, 1 de junho de 2025

Do que se trata?


 




Eu nem me lembro
Do que se trata
Aconteceu recentemente
Há muito tempo
Uma ideia qualquer
Rodeia na mente

Você vai saber se não puder
Manter acesa
Uma lâmpada sob a mesa
Mobilização do magma
O malabarismo da realidade
É um passe de mágica

Agora é uma longa fase
Incontáveis episódios
Do que se trata?
Tampouco me recordo
Só por foto, talvez haja
Algum modo de resgate

A minha cara me retrata
Hoje eu sei como
E nem conheço tanto
As cores do sonho
Os pormenores do plano
Eu me esqueço da fala

Navios percorrem o horizonte
Carros, léguas de ponte
E eu, os dias de ontem
Estranhos e atônitos
Colegas de classe
E até amigos já fomos

Águas nascem das fontes
Atitudes, das fomes
E eu, do meu nome
Confiro o rol como se me beliscasse
A realidade é um tipo de milagre
Um tiro que se ouve ao longe

O mundo rui tão insano
Quanto um isopor
E um sofá no oceano
O sol vai se içar e se pôr
Mesmo que não vejamos
O plástico no interior do peixe

Às vezes sei muito bem como
Noutras não sei nada de cor
Milagre é a realidade da parede
Cotidiano, miragem, sonho
Robôs, borras de fé, farras dos deuses
Alguém sabe do que se trata?

O dente da engrenagem
Dá também a sua mordida
A vida é uma viagem boa
É evidente que não há duas vezes
Mas vários takes nesta película
Que já queimou e a fênix voa.



domingo, 18 de maio de 2025

A primeira vez




A aspereza do apego
A inconsistência do apelo
A distância do aperto
Consciência de graça
Convicção adquirida

Ressurjo também nesta vida
Em cada alvorada
Junto com o sol justo
Até nas manhãs nubladas
Olho da janela para tudo

Como se fosse a primeira vez
Com a vista lavada de pureza
Aprendo a desaprender
A comunicação supera
Pluvialmente a expressão

Eu apenas espero ler
O poema sem interpretá-lo
É um impropério, uma confissão
É uma oração, um estalo
Não penso como pensava

Porém sonho do mesmo jeito
Parece a primeira tomada
O passado traz trejeitos
Renasço em cada alvorada
Escrevo só porque leio

Estou no mesmo corpo
Mas não sou como era
O planeta no papel de esgoto
Analfabetos na biblioteca
Somente se rasga o casulo

Com as asas corretas
Para não sair da panela
E cair no fundo do fogo
Eu nunca sei, é sério, eu juro
Que ignoro o que vou pôr

É igual a tentar ser diretor
Do próprio sonho no minuto
Na hora de adormecer
Embora seja quem for
Será sempre a primeira vez.











sábado, 10 de maio de 2025

A questão


 



Podia ser sempre assim a vida
Sonho solto, prensado no plano
Ninguém ouve ninguém
Viva a conversa compreensiva
Você está me dando

Várias coisas boas, meu bem,
A questão agora não é se
Mas quando, é outra etapa
A graça logo vem
Não se entende nada

Graças ao diálogo dos leões
Vida apática ou de rebeliões
Uma pedra e um peixe no lago
Eu já sei berrar e nadar
Na piscina, na sede, no aquário

No rio, na berlinda, no mar
No próximo ano
Num piscar de olhos
Piano, piano, se va lontano
O mapa é um relógio

A questão não é mais se
A questão é quando
Os ponteiros combinam entre si
Os anjos zombeteiros assinam
A vida podia ser assim

Um roteiro no meu idioma
O céu é uma telona, um vasto jardim
Onde se conta o longa-metragem
Factível não significa que será fácil
A vida pode ser uma viagem

Uma ideia no tempo e no espaço
Nova colheita, recolhimento para crescer
A árvore receita os seus bálsamos
Os barcos deixam a garagem
A questão agora não é se.









sábado, 3 de maio de 2025

Experiências transcendentais

 

Uma miríade de ideias
Elevadas pela pirâmide na planta
Aldeias de plêiades virtuais
Experiências transcendentais
No exame da vida cotidiana

Desembarque das naves
Loucas, sem estabilidade e ocas
Uma hora a gincana cansa
Após a descoberta da chave,
Da chama liberta da bolha

Estou fora deste jogo
Não tenho fôlego para jogar mais
Respiro melhor com a luz do fogo
Sei do mel, da fúria e do que sou capaz
Ainda serei eu mesmo se for outro

Nova peça alucinante em cartaz
Refração da onda, as cartas mudam
Antes o sabor da peçonha
Do refrigerante sem açúcar
Do que sabotar a própria pessoa

Já era para saber que tarde não é nunca
Há tempo e tempero para tudo
Tempestade, segredo e temperatura
Fósseis para cada segundo
Entre as fissuras dóceis

Velhas músicas
Doces em altas doses
Motivo não é desculpa
Para os pés imóveis
Alma aluna e mestra na sala de aula

Fechamento no meio da rua
Estamos juntos no ar, na jaula
E chegará a janta ou a ocasião
Num desses feriados universais
Em que os desiguais se igualarão

Há quem exiba
Tanto a superfície
Em Búzios, Barra ou Ibiza
Que a cara não se exige
Nos difíceis dias infernais

Nostalgia e intuição genéticas
Experiências transcendentais
Espelhos, esperanças, pérolas e pedras
Na instância do circo, no trapézio
Das circunstâncias para amanhã

Memória e sonho me reconectam
À criança calma e à ânsia anciã
Ambas certas do belo mistério,
Moram no berço que virou divã
Antes o deletério do refrigerante zero.


















sábado, 26 de abril de 2025

Réplica límpida


Ser gentil e aberto
Exige beijo e coragem
Deus não é descoberto
No ensejo da passagem
Ninguém está certo

No meio ou além da paisagem
Por mais poético e belo
Que seja o fim da tarde
Na saída da cela
No aspecto da minha cara

Na abertura da janela
Da consciência obscura e clara
Na figura da minha face
Cansada da resistência, com rugas
Não foram dias fáceis

Com doçuras, disfarces, ofensas e fugas
Contudo agora
Nas manhãs sadias
As nuvens carregadas foram embora
Madrugada já é bom dia

Ser receptivo e empático
Requer abraço e audácia
Não é tão prático
Quanto ir à farmácia
Ninguém está errado

Na bruma da massa
O corpo é um embrulho ou um carro
E o copo, um mergulho ou uma falácia
Seja como for, tudo é amor
Entre filmes e discos

Haja espera para este depois
Em que serei entendido
O meu rio interior
Não é uma área de risco
É uma réplica límpida

Entre crimes e livros
Entreouvido é poesia
Deus não está perto
Apenas no desejo do milagre
Deus está no piso, no peso e no teto

Fora da igreja, em diversos lugares
Até dentro de si mesmo, num verso
No brejo, no beco, na fortaleza
A fé é um gesto de coragem
Um credo sem medo da gentileza.








sábado, 12 de abril de 2025

Pedra pulsante


 



Pedra pulsante, viajante
Alma corpórea, grossa
Agora não é só um instante
Memórias, às vezes paranoias
Amanhã talvez venha antes

Conexão durante a ioga
Televisão edificante
Sem anunciantes, jogando o lixo fora
Trocando o nicho e as lâmpadas
Que duram bem menos

Do que as de outrora
Regando as plantas
Descarregando os venenos
Levezas em voga são esperanças
Lição de certezas vagas

Relógio liso, lento, ameno
E submisso como um leão
No fogão aceso a leiteira afogada
De água da torneira para fazer o mate
Sem esquecer as gotas e o limão

No amargor da realidade
Amar o gol que espanta
Pedir logo o galão de vinte litros
E virar o lado do disco lá pelas tantas
Para uma novíssima ideia

Há diversos delírios e livros
De versos, receitas e mantras
Reuniões literárias submersas
De poetas que não são lidos
Pulsa outro perfil da pedra

E você pensa que sinto
Graça naquelas janelas
Sagradas como brinquedos
Da velha brinquedoteca
Pedra comovente e latejante

Lances de audazes medos
Nuvem pétrea, lúcido pane
Ao vento, cavalares segredos
Lembretes de puro sangue
Na parede, cegos caranguejos

Brilhantes mágoas no mangue
E você sente que penso
Mas não como antigamente
Travesseiros tensos
Sem cabeças, ofuscantes lentes

Talvez na fuga apareça antes
Pedra pulsante, alma corpórea
Diamante distante, cá dentro
E você sabe que rolam
Horas e demoras diante do tempo.










sexta-feira, 4 de abril de 2025

Agora que bateu



Agora que bateu
A lembrança do esqueleto
Na naftalina do armário
Debaixo do couro
Eu me acho mais eu do que outro
Agora que bateu
A onda que balança o leito

Dentro do aquário
Está fervendo o tesouro
Eu me vejo mais eu do que outro
Agora que bateu
A vontade do aumento do teto
No meio do itinerário
Sem despejo de onde moro

Eu sou mais eu do que outro
Agora que bateu
A saudade da criança ou do leitor
Aparece um novo abecedário
Aprendizado duradouro, garoto
Eu estou mais eu do que outro
Agora que bateu

A fome de um prato feito
Após a longa noite, está claro
Que nem toda água limpa tem cloro
Eu me noto mais eu do que outro
Agora que bateu
O coração corajoso na expansão do peito
Do tabuleiro do jogo, o esquema diário

Das regras rui o velho escritório
Eu me escrevo mais eu do que outro
Agora que bateu
A claquete no estúdio inteiro
Não é mais ficção, é documentário
Do que sou, quando rio e choro
Eu atuo mais eu do que outro.