quarta-feira, 9 de outubro de 2024

É que antes eu não tinha noção


Antigamente não havia a noção 

E o futuro já sabia

Não pode a Constituição 

Ser pautada pela Bíblia

A poesia é a radiografia do espírito

Daquilo que me registra 

Através do que existo

Nem o atraso hesita

As tardes eram mais longas

Futebolzinho descalço


A bola era a minha dona

Pique-tá, pique-esconde, pique-alto

Sim, as tardes sabiam ser longas

Bolha na sola do pé 

Melhor brincar na sombra

Groselha ganha no sacolé

Na piscina, no salão de festas

Corrida de chapinha no peteleco

E também nos pedais da bicicleta

Na quadra, entre os prédios 


Portão vira gol e rua, campo

Saudosa infância comum

Na Mululo da Veiga, meu canto

Número oitenta e um

As fachadas não são mais iguais 

E a minha infância passeia

Feliz e veloz por ali, nos quintais

Dos avós, no play do três meia meia

Ao lembrar assim, ninguém está no céu

Gosto de recordar quando quero


Natação com tio Robson e tio Joel

Escolinha de futebol do tio Bolero, 

João Brasil, Fonseca

Cardeal Mazarino, Zé Garoto

Número vinte, eu sou quem me rodeia

Sou o mesmo, sou outro

Sou o menino, sou o seguinte 

Era mágica a realidade 

Agora os dias são tristes

Sinais da maturidade


Picolé de uva ou de limão

Futebol na chuva, no asfalto

Naquelas eternas tardes de verão 

Dos segundos arrastados

Arrasadora infância comum

Na Mululo da Veiga

Número oitenta e um

Pão com manteiga

O cheiro geral de doce

Na casa de doces da General Castrioto


Babava diante das balas e demais doces 

Diamantes para um garoto

Perto e distante da Mululo da Veiga 

Os minutos eram soltos

E a solidão, uma companhia meiga

Em mil novecentos e oitenta e oito

Mineirinho no gargalo

Noutros milênios, o tempo

Era mais contemplável 

Atualmente eu quase não contemplo


Aos berros no meio do estrondo

Assim que entro nesta terra

Sou velho o bastante para o abandono

A paz vale menos do que a guerra 

Entre a verdadeira intuição 

E o medo inexplicável 

Não tinha nenhuma suspeição

Parecia ser mais fácil 

Cansaço da normose

É um hábito ser excêntrico


Basta uma dose

Do silêncio ao incêndio

O odor alucinante de doce

É um gatilho autêntico

Como se as horas fossem

De um tempo mais lento

É que antes eu não tinha noção 

Nenhuma, não sabia de nada

Outrora, o gol era no portão 

E as cadeiras, na calçada. 



Nenhum comentário: