Antigamente não havia a noção
E o futuro já sabia
Não pode a Constituição
Ser pautada pela Bíblia
A poesia é a radiografia do espírito
Daquilo que me registra
Através do que existo
Nem o atraso hesita
As tardes eram mais longas
Futebolzinho descalço
A bola era a minha dona
Pique-tá, pique-esconde, pique-alto
Sim, as tardes sabiam ser longas
Bolha na sola do pé
Melhor brincar na sombra
Groselha ganha no sacolé
Na piscina, no salão de festas
Corrida de chapinha no peteleco
E também nos pedais da bicicleta
Na quadra, entre os prédios
Portão vira gol e rua, campo
Saudosa infância comum
Na Mululo da Veiga, meu canto
Número oitenta e um
As fachadas não são mais iguais
E a minha infância passeia
Feliz e veloz por ali, nos quintais
Dos avós, no play do três meia meia
Ao lembrar assim, ninguém está no céu
Gosto de recordar quando quero
Natação com tio Robson e tio Joel
Escolinha de futebol do tio Bolero,
João Brasil, Fonseca
Cardeal Mazarino, Zé Garoto
Número vinte, eu sou quem me rodeia
Sou o mesmo, sou outro
Sou o menino, sou o seguinte
Era mágica a realidade
Agora os dias são tristes
Sinais da maturidade
Picolé de uva ou de limão
Futebol na chuva, no asfalto
Naquelas eternas tardes de verão
Dos segundos arrastados
Arrasadora infância comum
Na Mululo da Veiga
Número oitenta e um
Pão com manteiga
O cheiro geral de doce
Na casa de doces da General Castrioto
Babava diante das balas e demais doces
Diamantes para um garoto
Perto e distante da Mululo da Veiga
Os minutos eram soltos
E a solidão, uma companhia meiga
Em mil novecentos e oitenta e oito
Mineirinho no gargalo
Noutros milênios, o tempo
Era mais contemplável
Atualmente eu quase não contemplo
Aos berros no meio do estrondo
Assim que entro nesta terra
Sou velho o bastante para o abandono
A paz vale menos do que a guerra
Entre a verdadeira intuição
E o medo inexplicável
Não tinha nenhuma suspeição
Parecia ser mais fácil
Cansaço da normose
É um hábito ser excêntrico
Basta uma dose
Do silêncio ao incêndio
O odor alucinante de doce
É um gatilho autêntico
Como se as horas fossem
De um tempo mais lento
É que antes eu não tinha noção
Nenhuma, não sabia de nada
Outrora, o gol era no portão
E as cadeiras, na calçada.
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