sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Tempero mental


Tempero mental 

Não há necessidade 

De pimenta ou sal

O saber é o sabor da idade 

Agridocemente individual 


No interior da cavidade 

Humor temperamental

Só gargalha quem sabe 

Não se finge felicidade 

Tão-somente para as fotos 


O futuro, com saudades,

Saúda os terremotos

Funda minhas cidades 

Afunda os maus modos

E finda meus disfarces 


Boiando como corpos

Em marcha, sem charme 

Soldados mortos

Ninguém se define pela metade

Tampouco por rótulos 


Perdi a quantidade 

De vazios, de vezes

Em que cometi estupidezes

No cair da tarde quente 

Quando a gente vira ente 


Eu me perdi na velocidade 

Das vozes, das vezes 

Em que menti aos deuses

Tomado por qualquer vontade 

Em que me demiti por meses 


Trocando fés por fezes

Supondo ser a outra margem  

Num dia inédito desses 

Sem coragem, eu não existiria 

Sem as minhas repetições


Sem as recordações 

Eu não reconheceria

A ordem das canções

Sou habitado por uma nostalgia 

Desprovida de compreensão 


É um sintoma de haver um além

O desejo de ser desta era

Já me torna ultrapassado, aquém 

A adversidade recupera

As virtudes que a prosperidade deixa sem.


O presente é o paladar atual 

O passado é um pão bolorento 

O futuro é utopicamente factual

A saudade é um apartamento 

Na verdade, é uma casa com quintal.



 

domingo, 8 de dezembro de 2024

O sonho de um profeta

O carnaval invade

As ruas da cidade

Notoriamente em alvoroço

Por uma profunda mensagem

Massas regressam aos lares 


Uma garota indígena

Apresenta para a sua tribo

Seu namorado da faculdade

De seu ninho desenvolvido

Um trio de pássaros 


Recentemente envaidecidos

Olham com brio

Caçadores atirando

Em patos selvagens

Caminham por um pântano 


As ilusões suaves

Estão libertas

Uma tempestade elétrica

Enche os céus de luz

O sonho de um profeta 


Aves domésticas

Envenenadas revoam

Em tentativas atônitas

Jovens patinhos se divertem

Lepidamente numa lagoa 


Uma mulher agitadora

Apaixonadamente apela

Para a multidão

Numa quermesse

Está reunida uma aglomeração 


De bom coração

A cabeça de um jovem

É transformada

Na de um pensador ancião

Uma radiante fada 


Dança na cerração

De uma cachoeira

Com troféus de guerra

Pendurados no cinturão

Um nativo cavalga 


De modo altivo

Os enfeites trazem para casa

Um espírito natalino

Duas jovens impressionadas

Fazem experimentos 


Com uma prancheta Ouija

Árvores vestidas de geada

Feito renda contra um firmamento

De inverno, oh, de inverno

Uma mulher está desapontada 


Enquanto um homem

Deixa seu aposento

Num parque, num dia invernal

Uma menina alimenta cisnes

Uma porta-bandeira se distingue 


Numa batalha corporal

Um parque público colossal

Oferece visitas sublimes

E inspiradoras

Num abraço estreito 


Uma serpente enrosca

Uma mulher e um homem

Convidados leem

Na biblioteca

De um casa luxuosa 


Numa sala repleta

De diversos livros

Um velho rabino

Feliz se senta

O sonho de um profeta 


Um divulgador de prestígio

Comanda seu concílio

Numa gigantesca tenda

Na calada da noite

A janta aguarda 


Pelo dono da fazenda

Um homem se expressa

Ao mesmo tempo

Em dois domínios

Com a riqueza da sua oferta 


Alguém está explodindo

O sonho de um profeta

Vive neste momento

Uma face impressa

Em imensas rochas 


Uma joalheria repleta

Das joias mais maravilhosas

Novamente desperta

Para a aventura

Uma mulher madura se admira 


Uma árvore de Natal

Carregada de prendas

E de velas convictas

Um cão de guarda está de olho

Enquanto um minerador de ouro 


Dorme perto da sua mina

Uma pomba alva sobrevoa

Em linha reta

Turbulentas águas

A caminho de casa 


Uma pomba alva

De forma rápida

Vira uma águia

E a águia se metamorfoseia 

Numa pomba alva 


Um coro voluntário de igreja

Faz de um ensaio

Um evento social

Uma bandeira a meio-mastro

Defronte a um edifício público descomunal


Encontro de gente 

Antes do alvorecer

Para um ritual de Páscoa

Em recinto aberto

O sonho de um vidente 


Lidera um ritual de poder

Um hierofante coberto

De maneira árdua

Sob topos cheios de neve

Quem adora o fogo está meditando 


De sua crisálida emerge

Uma borboleta

Primeiro a asa direita

Um divulgador de prestígio

Comanda seu concílio 


Numa gigantesca tenda

Após mudanças drásticas

Um clérigo reabilitado

Retorna à prática

O sonho de um visionário.



quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O submundo


 O submundo não é onde se situa

O inferno ou a intenção 

O submundo está com fome nas ruas

O submundo interno do coração

Famélico continua 


O submundo não é onde se encontra

O inferno ou o metrô 

O submundo pega um bronze na sombra

O submundo eterno do amor

Etéreo entre as ondas 


O submundo não é onde está 

O inferno ou o ostracismo 

O submundo trafega pelo ar

O submundo terno do abismo

Abrigo antinuclear 


O submundo não é onde fica

O inferno ou o cinema

O submundo é a vida 

O submundo ermo da consciência

Erro, medo e autocrítica 


O submundo mora

Nos hotéis de luxo 

Nas boates da moda

Nos lares do subúrbio 

O submundo incomoda 


A tradicional família 

O submundo explode agora

Em Londres ou Brasília 

É um ciclo de Saturno 

Um ciclone na ilha 


É um rito de passagem

A rota é do submundo 

Brota no ritmo da viagem

Berço em qualquer fossa 

No topo ou no fundo. 


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A ponte


Janela aberta

Novas lentes

Consciência desperta 

Descoberta na mente 

Olhos atentos

Passos tranquilos

Passou o tempo 

De fracassos e grilos

Refrescados por um temporal 

Campos e jardins

São aquecidos pelo sol 


No Oriente, no interior

A luz aumenta lentamente

Apagando as estrelas

Epifania dentro de mim

A despeito da dúvida 

E da desconfiança 

As coisas se despem 

Despencam e mudam

Constante é só a mudança

Daqui para frente

Desde aquela sexta 


Um estalo na mente

Estrada não é esteira

O instante se estende

De agora em diante

Depois que a caverna

Ficou cintilante

Fazendo asas das pernas

E presente do instante 

Já é concreto o sonho

Com o translado 

Para o lado cônscio 


Embarque efetuado

Bilhete singular 

Sob o sol, a caminhada 

Não é mais circular

Tampouco é esteira a estrada

Aqui é o lugar

Onde ocorre o encontro 

Hoje em dia

A partir de algum ontem 

Está claro o que não se entendia

Erguida a ponte 


E conquistado o ponto 

Colo ao que se despedaça

As coisas se despedem

O velho sol está se pondo

E o novo não se intromete 

Solo ao que se despetala

Vocabulário às favas

É rasa a comunicação 

Apenas com palavras 

Basta ouvir o coração

Que a ponte se ergue.



segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Na imersão da luz solar

De farda, inativo,

O capitão do mar

Observa a abdução dos navios

Na imersão da luz solar

Numa sala de estar ampla

Canários cantam

A bruma oculta a praia

Mas, numa visível rocha,

Uma cruz repousa

 

Figuras enceradas

Exibem belas roupas

Em vitrines da loja

Um jovem casal

Caminha pela rua principal

Olhando vitrinas

O governante de uma nação

Está em apresentação oficial

Um jovem casal anda na avenida


Maravilhas da natureza

São exibidas

Numa aula de ciências

Coelhos em vestimentas

Humanas perfeitas

Desfilam com decência

Uma rede vazia suspensa

Entre duas árvores esplêndidas

Um jovem par na alameda


Um químico conduz uma experiência

Diante de seus estudantes

O cupido topa

Acolhedor na porta

Do coração humano

Gelo em separação

De um lago congelado

Para uso no verão

Uma imensa praia


Uma costa rochosa intacta

Por séculos de dilúvios

Inspirados discípulos

Ouvem as palavras do conselheiro

Uma ponte em construção

Sobre um profundo desfiladeiro

Uma tortuosa carreira

Altera através de florestas

Gloriosas de outono


No salão de um castelo

Entes de olhos acesos

Gracejam alegremente

Um artista expressionista

Moderno pinta

Uma tela esquisita 

Um proletário em chamas

De paixão social 

Comove caravanas


Um estadista poderoso

Conquista um histérico povo

Para a sua causa

Cardumes de nuvens

Como asas

Pelo céu se arrastam

Vários pássaros

Estão ocupados

Na ostentação de seus ninhos


Barco de casco

Transparente trafega

Sobre fascínios submarinos 

Uma festa de jardim

Está em vibração plena

Sob fachos orientais

Como um querubim

Uma alma humana sussurra

Buscando se manifestar

 

Um homem em explosão

Com a fartura

Do que ele possui para dar

Uma cisterna remota

Repleta de água bucólica

À sombra de árvores

Uma demonstração

Trabalhista amontoa       

Uma grande praça da cidade


Uma jovem viúva

Transfigurada pela ansiedade

Está de joelhos na catacumba

Um triângulo alvo

Com asas douradas

Em seus lados elevados

Uma idosa pálida

Sorrindo feito a aurora

Vende tralhas


Uma menina negra escravizada

Exige seus direitos de sua senhora

Pianista mundialmente famoso

Começa a tocar

Para um público assombroso

Uma mão com polegar

Notável, proeminente

Estendida receptivamente

Na imersão da luz solar


Um homem com dois crânios

É visto olhando

Para o além

Uma borboleta

Abre as asas mostrando que tem

Uma asa esquerda extra

Oficiais superiores

Reunidos num baile

Influente da embaixada


Graças a uma boa análise

Com raios xis

Uma vida é salva

Um domador de leões

Entra sem temor

Na arena do circo

Um velho professor

Ensina com gentileza

Uma classe de adolescentes


Uma viúva moça é pega de surpresa

De um novo nascimento de amor

Na praia quente, as crianças brincam Protegidas por sombrinhas

Sob picos cobertos de nevasca

Um adorador do fogo medita

A grande escada da vida

Em cada patamar

Um novo nível de vida


Na imersão da luz solar

O aviador navega pelo ar

Senhor de lugares altos

Um jovem casal

Viaja pela via capital

Olhando mostruários

De uniforme, aposentado,

O capitão do mar

Observa o afastamento dos barcos.


 



 

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

A manhã


Amizades de infância 

Não precisam significar

Que prosseguem desde então

As coisas balançam

Não conseguem e ficam lá


Se você necessita de religião 

Para parecer ter uma alma boa

Você é só um obediente cão

Uma penitente pessoa

Um pet adestrado 


Café forte, uma dose que acorde

O ser amargo para ser mago

Uma borra de café nanquim

Se a memória me cai bem

A ponto de corroborar a espera


A fé recupera para mim

Aqueles dias doces de férias 

Quando pensava em ser alguém 

Como se já não fosse

Que sorte acontecer assim


Meus amigos de infância 

Jamais serão eternos

Pela contabilidade dos anos

Dor, imbecilidade e infâmia 

Não temos mais as caras de anjos


Se você precisa de um credo

Para bancar o bom-mocismo 

Você só segue os modismos 

Na ameaça do forno do inferno 

O céu é um suborno ou escambo


O meu progresso teve começo 

Ao ser amigo de mim mesmo

Preciso fazer jus ao santo

Sentido do nome Marcello 

Sou um jovem guerreiro 


O norte é a paz, a noite, luz

E a manhã, esclarecedora

Saquei o significado dos eventos

A direção dos ventos e a vida toda

Vou deixar que só o tempo me definhe


Não tenho mais este afã 

Graças à revelação

Ponto de virada do filme

Sagrada revolução 

É uma bênção a manhã. 



sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Zoom


Você se personaliza nalgo 

Até um dia perceber 

Que a coisa se singularizou em você

Negócio de filtro é fogo alto

Cadê o lixo e o isqueiro, cadê?


Desapego do que me possui

Incêndio do que me polui

Em prol do silêncio, do sol

Intrauterino, só

Aquela voz sussurrante


De quase volume nenhum

Que se ouve após ou no instante 

Embora distante, hoje há zoom

O inferno é frio, indiferente

E o céu, receptivo, quente


Eu já esperei tanto tempo 

Que quero agora, o mistério

É que rola noutro momento

O cristianismo austero

Deriva de Paulo de Tarso


Em vez de Jesus Cristo

Com a arte também me salvo

Na escuridão se esconde a luz

Está tudo escrito numa lógica 

Oculta, no coração, na língua da luta


Está pendurada a sacola ecológica 

Na maçaneta da porta 

E os itens, nas letras da lista 

Ou nas labaredas da horta

Em alguma coisa você se especializa.



terça-feira, 15 de outubro de 2024

Não escrevo com as mãos


Não escrevo com as mãos

Exalo a paisagem

No exílio do meu feudo

Pelo fim das despesas da viagem

Fico aqui mesmo na estação 

Ah, encareceu demais a passagem


A leveza virou um peso 

Um tipo de lavagem

Deixa o coração perdido 

Não escrevo com as mãos 

Quando não entendo

A extensão de certos momentos


Eu me rendo e me entedio

A intuição tem ração

Para o filho, parceiro, tio

Sobrinho, primo e irmão 

Para me lembrar vulnerável 

Humildemente bravio


A despeito do tempo volátil 

Prendo as mãos no guidão 

E dou um grande salto 

Com a arte não morro de perfeição

Cada manhã traz algo

Luminoso aos sonhos sonolentos


Deixo o ar chegar nos pulmões

Assim como os pensamentos 

Perpassam a cabeça na queda

As águas do rio sedento 

Correm pelas pedras

Descem a serra rumo ao mar


Os livros de sangue

Transitam pelas veias

Em transe, andei no ar

Nadei no mangue

E atravessei a fronteira

Tantas vezes pelo enfeite


Do terror, yin e yang 

No teor do bilhete 

Que, enfim, voltei a morar

Em mim, neste lugar

Eu me levo pelo vento

Sempre que leio e viro a página


Na praça do descobrimento

Loucura, lucidez e lágrimas 

Não escrevo com a semântica 

Um dia longevo por vez

Sete tardes por semana

Trinta noites por mês


Não escrevo com a lâmpada 

Espero vir a visão

Eu nutro saudades 

Ao sair de casa, da velha casca 

Sei que já está tarde

Jamais se atrasa a própria revolução


Não escrevo com as mãos

Na redação, acontecimentos 

Erros, reconhecimentos e atritos

A instituição tem corrosão 

Talvez seja a paz o vazio 

Tudo é enfrentamento 


Para me recordar frágil 

Grosseiramente sutil

Sangro no muro flácido 

E mantenho as mãos na ferida

A montanha no alto, dentro, ao lado

É do tamanho da vida.



sábado, 12 de outubro de 2024

O dia da criança


Eu era mais antigo 

Nos tempos idos

Agora estou mais jovem

Do que em setenta e nove

Eu era bem mais idoso


Antes de saber de ouvido 

Que ser inaudito e novo

É um estado de espírito

Estrelas sobre a estrada 

Estreita e cheia de poeira


Chovem tantas charadas

Não se tampa só com peneira 

Várias ondas fingem ignorar 

A chegada da maré 

Tão vasta que vai erguer


Todos os navios do mar

As pessoas transformaram 

O mundo inteiro num inferno 

Falta a mudança na casa

Individual, no porão interno


Às vezes não basta alguém 

Saber o significado das coisas

É significativo saber também 

O que não significam as coisas

A perfeição não mora aqui


E a excelência se esconde

Não muito longe de mim

É que ela esquece seu nome

O passado é um sonho

E o noticiário, um pesadelo


Eu acordo, me assombro

E me abordo no espelho

O pretérito é uma vertigem 

Quando era mais velho

Nos dias de hoje, a origem


E o destino são o elo

Há quem esteja mais presente 

Do que aqueles que estão 

Comigo diariamente 

Ser ou descer, eis a questão


Para quem é leitor,

Telespectador ou ouvinte,

Chega de saudade, acabou

O século vinte

É crucial, é necessário


O acolhimento de despedidas

Caso contrário 

Tudo pela metade finda

As poetisas e os poetas

Têm que ser pessoas médias


Nada de deusas ou divos

Nem comércio de livros

O otimista e o pessimista

Cometem falhas

Mas não padece o otimista 


De forma precipitada

Eu vivia morto

Em tempos remotos

Estou mais moço nos dias atuais

Do que anos atrás. 



quarta-feira, 9 de outubro de 2024

É que antes eu não tinha noção


Antigamente não havia a noção 

E o futuro já sabia

Não pode a Constituição 

Ser pautada pela Bíblia

A poesia é a radiografia do espírito

Daquilo que me registra 

Através do que existo

Nem o atraso hesita

As tardes eram mais longas

Futebolzinho descalço


A bola era a minha dona

Pique-tá, pique-esconde, pique-alto

Sim, as tardes sabiam ser longas

Bolha na sola do pé 

Melhor brincar na sombra

Groselha ganha no sacolé

Na piscina, no salão de festas

Corrida de chapinha no peteleco

E também nos pedais da bicicleta

Na quadra, entre os prédios 


Portão vira gol e rua, campo

Saudosa infância comum

Na Mululo da Veiga, meu canto

Número oitenta e um

As fachadas não são mais iguais 

E a minha infância passeia

Feliz e veloz por ali, nos quintais

Dos avós, no play do três meia meia

Ao lembrar assim, ninguém está no céu

Gosto de recordar quando quero


Natação com tio Robson e tio Joel

Escolinha de futebol do tio Bolero, 

João Brasil, Fonseca

Cardeal Mazarino, Zé Garoto

Número vinte, eu sou quem me rodeia

Sou o mesmo, sou outro

Sou o menino, sou o seguinte 

Era mágica a realidade 

Agora os dias são tristes

Sinais da maturidade


Picolé de uva ou de limão

Futebol na chuva, no asfalto

Naquelas eternas tardes de verão 

Dos segundos arrastados

Arrasadora infância comum

Na Mululo da Veiga

Número oitenta e um

Pão com manteiga

O cheiro geral de doce

Na casa de doces da General Castrioto


Babava diante das balas e demais doces 

Diamantes para um garoto

Perto e distante da Mululo da Veiga 

Os minutos eram soltos

E a solidão, uma companhia meiga

Em mil novecentos e oitenta e oito

Mineirinho no gargalo

Noutros milênios, o tempo

Era mais contemplável 

Atualmente eu quase não contemplo


Aos berros no meio do estrondo

Assim que entro nesta terra

Sou velho o bastante para o abandono

A paz vale menos do que a guerra 

Entre a verdadeira intuição 

E o medo inexplicável 

Não tinha nenhuma suspeição

Parecia ser mais fácil 

Cansaço da normose

É um hábito ser excêntrico


Basta uma dose

Do silêncio ao incêndio

O odor alucinante de doce

É um gatilho autêntico

Como se as horas fossem

De um tempo mais lento

É que antes eu não tinha noção 

Nenhuma, não sabia de nada

Outrora, o gol era no portão 

E as cadeiras, na calçada. 



sábado, 28 de setembro de 2024

A realidade é uma fricção

 


O coração me bombeia

A visita de quem bamboleia ausente

A televisão me bombardeia

O partido do dinheiro

Nunca está rico o suficiente 

Caem da prateleira os brinquedos

Os cacos cortam mais do que os dentes


Rasgam mais do que as unhas

Pendentes de calma e insones

Palavras se dissipam nas ruas

Piscam palavrões como ódio e fome

Inteligência é se agarrar à alma

Sem rogar por noites boêmias

Deixando chegar a luz imediata 


Para resgatar poemas

Reaprendendo a bater palmas

Livre de razão e de outras algemas

Há promessas em excesso

E lembranças a mil por hora

Em abraços possessos 

De esperança, embrasada espora


Várias vidas são vertidas

Em transes, em impunes mídias 

Nos túneis não há astros

Nem chances de cuspe no chão 

Apenas para o alto

Incontáveis rastros de vidas

De ficção, nuvens de fato


Plásticos dragões e esgotos

Drásticos contratos

Perigosos dados em jogo 

Regado a gotas geladas de suor

O mundo pega fogo

Não rola se jogar da janela do quarto 

Nem se perder pelo corredor 


A realidade é uma fricção 

Mudança na cabeça de bagre 

Ponto de espanto, de inflexão

A dança do próprio milagre

Avança todo santo dia

Inúmeras praias virtuais 

Quase nenhuma terra à vista


Galera, há tantas vidas

E guerras, silêncios de decibéis glaciais

Conversas cruéis e banidas 

A bagatela de estresse

Agora se converte na paz, no amor

E no bem como se pudesse

Representar tudo numa peça só.




quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Meu labirinto familiar


A alegria líquida

Alivia e liquida

As horas que não sentem

Saudades nem o presente 

As memórias fabricam


Paraísos desde a tensa idade

O tempo invariavelmente brinca

A água evapora e invade

Por ora, eu não posso 

Perder mais tempo


Do que penso que tenho

Ainda não virei fóssil 

Eu devo, eu não devo

Temer as chaves e perdas

Para mover naves, pedras


E outros enlevos, escrevo

Para escalar o lar, o laboratório 

Meu labirinto familiar

Onde elaboro aleatórios

Instantes e instintos daqui, de lá


Anteontem na Rua São José 

Quase com a Rua da Quitanda

Não vi uma pessoa qualquer,

Eu vi Chico Buarque de Hollanda

Más não consegui tirar uma foto sequer


Pela sua rapidez no andar

Pela minha reverência que nada mais é 

Do que uma timidez nefanda

Poesia é a notícia sempre atual

Até após a eternidade da ciranda


Daquele baile, missa ou sarau

Para tirar a máscara 

Não sou faraó, general

Tampouco atleta ou caubói 

Sou só um poeta de Niterói 


Dando nó em bingo de mágoa

As coisas não se mensuram

Pelo que custam 

Mas pelo que custaram

Para quem as conquistou


Não combinam na cor os pratos

Com os copos, facas e garfos 

O que de fato importa

É a fome morta

A mesa está posta.



segunda-feira, 9 de setembro de 2024

República de Marlboro

 

Na República de Marlboro

O repertório musical

Não pode ser duradouro

Reflete o gosto monocultural 

E amargo dos agrossenhores 


A dança é densa

E assino pelo dia em que chegarão 

Como cinema, Lady Leveza

E o seu batalhão 

De atabalhoados apoiadores


Na República de Marlboro

Tudo é antinatural 

Exceto o que notei há pouco 

Ao me ver na tela residual

Após cerrar os olhos


Na beira, no centro do fogo

Labaredas bailam

Nas alamedas, dentro do foco 

Nada se ofusca nem se embaça

Fora da República de Marlboro 


A festa é voraz e pesada

Logo mais pintarão

Entre fumaças, a alvorada

E o seu coro em profusão 

De curiosas cores


No exílio da República de Marlboro

Onde já teria sido a terra

Da República de Marlboro

Saltarão dos resíduos da tela

Um suspiro e os meus delírios todos.



quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Exploração espuma

 


A natureza morta

Das fruteiras

A geometria torta

Das fronteiras

Abrindo a volta


Abraço da porta

Colheita da janela

Olhando o que resta

Após o breu das moscas

Nas feiras, nas festas


Sou eu entre as coisas

Das bandeiras nas férias 

Da simbologia cônscia

Pressão nas frestas 

Frenéticas colônias 


Nada é faz-de-conta 

Tampouco eu fui

O que serei não é da sua conta

Cego desapego de baús

Segurando as pontas 


Alma bela e fera

Da minha saga, não a dos gurus

Alguma água fresca 

Penumbra, meia-luz

E a melhor sombra


A realidade é faz-de-conta 

Fui o que compus

Ao que serei já não sou contra

Prego, ego, pus, cruz

Não ressuscita quem não sonha


Retórica interesseira 

Dos pastores impostores 

Operação alvissareira 

Dos senhores das dores

Da engenharia, da arte


Da ironia, da empresa, da loucura 

Da engenhoca presa 

Minhocas inconfessáveis

Saudades, pesos e bolores 

Acertos, erros e memórias fáceis


Bom senso, amores

Exploração espuma

Explosão do que for

Explicação nenhuma

Qualquer esplendor. 



segunda-feira, 26 de agosto de 2024

De opiniões e de outras crenças

 

A existência mora na falta

De opiniões e de outras crenças

Com todas as ideias sou poeta

A função perpétua de Bhaskara


Para resolução de problemas

Atenção! Evitemos apertos de nãos

Mantendo distância da indelicadeza

Com mais tensão, não seremos sãos


Bloqueio quem bosteja

Na minha linha do tempo

Mas na esquina cumprimento

Leve and let die


A capacidade pouco vale 

Desprovida de oportunidade

Pego carona neste bonde

A gratuidade se esconde no ar


É o preço a se pagar

Por mais que se alongue 

Está cada vez menos longe

A gratidão ao que há


Avança pela vizinhança 

A jovial vastidão antiga

Afinal tudo será lembrança

Aqui, neste fotograma, serei apenas


Palavras, algumas frias, 

Outras estranhas

Sobre haver alguém em cena 

Ter concepções é estar na ilha


Da sua própria incumbência

Quanto mais convicção, menos captação 

Poetisas e poetas,

Não sejamos patetas.



terça-feira, 13 de agosto de 2024

Há tantas fotos

 

Ha tantas fotos 

Que parecem banais

Perderam a solenidade 

De tempos atrás

São imagens demais 


Fica a dica

A dica vai

Fazer com que a vida siga

Eternidade fugaz

O coração indica 


Um dia a mais 

Um tempo menos 

Inocente se faz

Tempero do veneno

É gente demais 


Na lista da revolução 

Há tantos nomes 

A paciência, a pressão 

O sonho, uma espécie de fome

O futuro me espera no salão 


Resistência, força 

Legenda, farsa

As palavras voam

Vozes, fantasmas

Fatos enevoam


Há tantas fotos 

Novos ontens 

São outros focos 

Sem nuvens, horizontes 

Orientam como ossos.



quinta-feira, 25 de julho de 2024

Paz vulcânica


 Coração contente

Da cura, de coerência

Carinho é um gesto

Caro, de coragem

Nestes dias estratégicos


Relaxamento na urgência

O chão tem um jeito coerente

No debandar da carruagem

Os amigos que tive

Ainda vivem nos tempos idos


São amargos e tristes

Aqueles embargos antigos

Pulsando com a calma

Cáustica de um vulcão

Meus olhos mudaram


Pegou a visão?

Oh, paz vulcânica!

Contenha as lavas

Para que as palavras

Não queimem as crianças


Saudades atrasadas

Das águas mansas

Da ilha da infância

Varanda da antessala

Primeiríssima instância


Quantos quilogramas

Pesa a ignorância?

Caso não saiba

Coloque a cabeça na balança

No balanço da barca


Mais impacto do solo

Do que tchau e solidão

Pelo olfato do colo

Em vez de fatal colisão

Vivo num pacato vulcão. 



quarta-feira, 24 de julho de 2024

Ao ouvir os vinis

 

Ao ouvir os vinis
De tia Mairy
Ao ler os versos
De Construção

No verso do disco
De Chico Buarque
Eu resolvi de supetão
Escrever o que sinto

Fazendo arte
Num tempo longínquo
Enquanto adolescia
Descobri o que é poesia

Nas férias de noventa e dois
Em Venda das Pedras, Itaboraí
Ontem minha tia Mairy foi
Descansar em paz por aí

Três dias depois
Do desencarne
Do seu irmão
Do meu tio Toninho

Ambos sobrinhos
Do meu avô Jayme
Filhos do tio-avô Valério
Somos todos espíritos

Por aqui de passagem
A vida não finda no cemitério
E se finca além da carne
Na certeza do mistério.




terça-feira, 9 de julho de 2024

Uso exclusivo



Uso exclusivo 

Para combate a incêndio

Não é satisfatório nem preciso 

Um relatório dos sentimentos

Basta senti-los 


A sabedoria não serve

Quando chega no estúdio 

Tinta guache, bola de chumbo 

Bolha de sabão e alicerces 

Do obsoleto ao absoluto 


Eu estava morrendo 

Hoje em dia resisto

Aos jornais horrendos

Aos jornais mais vistos

Aos jornais higiênicos 


Na minha cabeça 

Diversas janelas abertas

Nem sempre se aproveita 

O presente, a oferta

No ar fica à espreita 


O pretérito é um filme fosco

Onde atuei pifiamente 

No meu melhor esforço 

Na tela da mente

A estrela, o mar e o poço 


Eu estava correndo 

Hoje em dia levito

Aos normais nojentos 

Aos normais esquisitos

Aos normais em silêncio. 



sexta-feira, 28 de junho de 2024

Arrancaria

 


Arrancaria a cabeça
Para cortar os pensamentos
Ou dormir enquanto a dor não cessa
Há outros procedimentos

Onde está por fazer tudo aqui
Não seria a cultura
Espelho do feudo de Icaraí
Que teria maior altura

Quem se livra do revés
Leva a vida pós-stress
Com outra frequência
A estação é sintonizada

Uma canção, uma sílaba
Para apagar a ausência
De alguém, da fábula, de nada
Quem do refrão se priva?

Além de mim, ninguém me destrói
Cansei de sair para dançar
Antes cair das nuvens de Niterói
Do que do oitavo andar

A vida é um enigma
Que a gente clareia
Por mais que se queira
Descansar, quem duvida?

A fé, mesmo que se aprofunde,
Jamais tem completude
Quem não acredita
Em milagres não é realista

Eu me uno em versos
Universo, reflexo, versão
O céu todo submerso
Reflexão, arte, subversão

Geral jura, o mundo gira
Pilastra, invenção
Realidade, mentira
Palestra, silêncio

Arrancaria meu coração
Ah, eu sigo querendo
Uma canção, uma sílaba
Razão, símbolo, bênção. 

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Mantra


Mantra, trama
Oração, coração
Outdoor, altitude
Slogan, escolha
O tempo não se adianta
Que horas são?
Seja a ocasião que dure
Os anos que se foram

Banda contra furadas
Tramoias, trapaças
E eventuais ressacas:
Acordo são
Meras coincidências
Acontecem apenas
Nas novelas, nas peças
Sincronicidade é outra esfera

Uma nova era começa
Embora sinta o peso
Na minha cabeça
Nos meus ombros
Vislumbro menos desespero
Do que horizonte, palpáveis sonhos
Mais bálsamo do que júbilo
Alguma base nos escombros

Nos encontros, nas encostas
Jornadas de escola, fontes de estudo
Método, nada e tédio confortam
Consolidação é alegria de Saturno
A bobagem tem algo de ingênuo
Vira veneno a boa sorte
Gelo no inferno do incêndio
Verão no hemisfério morte

Mais na dor do que no amor
Duro amadurecimento
Não poderei ser o que for
Se permanecer pequeno
Mantra, ciranda
Oração, revolução
Outdoor, quiproquó
Slogan, vida louca.

sábado, 15 de junho de 2024

Nomes da infância

 

Buracos? Boatos?

Não encaro nem busco

Estou atrás de entusiasmos

Não sou operário do susto

Preciso ir lá embaixo

Para encontrar o sumo

E me ensopar no barro

Ondulando no fundo


Porém nada mais traz

A magia dos pueris tempos

Saudade ou nostalgia, tanto faz

Eu resisto quando me lembro

Há quem goste mais

De olhar para o firmamento 

E pescar temporais

Do que se ancorar por dentro 


Os nomes da infância jamais

Cairão no esquecimento

Eu quero aquela paz

Ou qualquer entendimento

Biruta? Um bocado

Não crio gomas nem musgos

Estou atrás de recados

Nos grilos, nos muros 


Preciso ir, senão me calo

Cansado em cacos sumo

No retrovisor do carro

Do que restou do mundo

Aos nomes da infância que jaz

Mando meu agradecimento 

Eu quero aquela paz

Apenas a que aguento.


terça-feira, 4 de junho de 2024

Transparência turva

 

Meu repúdio às inúteis

Notas de repúdio

Cadê as noites sem nuvens 

Estelares neste mundo?


Quem me dera 

Se a casca grossa

Fosse só da tartaruga

Mas é coisa única


É coisa nossa

Transparência turva

Impermanência eterna

Inércia, caça, fuga


Vire a ampuleta

Vire a mesa

Vire o que virá

Vá e se mexa


Todo dia tem

Aniversário de alguém

Mas nem sempre rola

Bolo com aquela roda


A ira espuma,

Mas não ensaboa

A gulodice enche 

E não preenche a lacuna


O desleixo se transborda

E não vai embora

A mesquinhez empilha

Não é uma fonte boa


A soberba cintila

Estrela, trilha, tralha

A obscenidade se dispõe

E não leva a mala


Somente a inveja se disfarça

De sorrisos, de abraços

De uma salva de palmas

De um barco furado


Vire o disco

Vire a cara

Vire a pá

Vire a página.



terça-feira, 21 de maio de 2024

Fique em casa


 

Fique em casa

Caso não haja

Dano estrutural 

Cigarro é chupeta fatal


Abdução é resgate 

Em vez de sequestro

A inocência é uma leviandade

Vivemos bem funestos


Denota torpor

Uma testa sem rugas

Toda a arte tem o ardor 

De ser música


Quem ri

Ainda não sabe

Da inesquecível novidade

Que está por vir


Niterói mora em mim 

Como uma peça

Não pelo que tem aqui

Mas porque me leva


Fique em casa

Se não houver 

Ousadia nem asas

Ou vá a pé.


segunda-feira, 13 de maio de 2024

Se não fosse pelo poema

 

Se não fosse pelo poema

Pela música, pelos livros

Pela alvorada, pelo cinema

Haveria mais motivos

E motes para a loucura


A mente jamais descansa

Até abiscoitar a plateia 

Poetas são os que mantiveram 

Os olhos de criança

Os chinelos e a bermuda 


Não há uma melhor imagem

Sem capricho na imaginação

A lógica é um atributo das plantas

O rodo e o pano de chão

No ringue, no tumulto, na paciência 


A medida muda, mas o desejo não

Ignoro dois olhares

Que leiam o mesmo poema

Uma risada de mau gosto

Pode acabar com a personagem


No meio da criação sistêmica 

Do medo e do transtorno 

Desbloqueio da criatividade

A contradição cria vida

Todo poeta é pateta


Ah, se não fosse a poesia

Todo pateta seria poeta

Um larápio é julgado 

Um pouco mais temerário 

Do que um poeta, escrever é decidir


Um desenho no quadro

O espírito e o corpo

O escrito e o frenesi

A intuição é um sopro

Fresco do lugar comum 


Se não fosse pela pintura 

Da cabeça em letras

Terapêutica literatura

Balé das estrelas

Não teria sentido nenhum.



sexta-feira, 3 de maio de 2024

A manutenção da vigília

 

É difícil 

Viver de arte

É impossível 

Viver sem arte


Um dia eu atinjo 

A tal da estabilidade

E ficarei curtindo 

O tédio e a felicidade 


É difícil 

Ser eu mesmo

É impossível 

Deixar de sê-lo


Agora só depende 

Da minha vontade

A hora em que de repente 

O sonho se torna realidade


É difícil 

Eu sei, estou aqui

É impossível 

Desistir de ser feliz


Não adianta pingar

Adoçante na vista

Por um olhar mais doce

Nas páginas da revista 


Sob o sol

Sai o suor

Pano de fundo 

Plano de fuga


São vários dias

Sob o sol que chove 

E as chuvas que brilham

Para virar jovem


Não há a possibilidade 

De voltar ao século dezenove

Nem por curiosidade

Sob o céu que se move


Só o obscurantismo aprova

E a negligência suporta

O império da mediocridade

Não há outra forma 


A arte é uma impostora

Deliciosa e irresistível 

Com ela, nada é impossível

A arte é ficção poderosa


E com a dona

Não há quem possa

Quando a ficção não funciona 

É porque é realidade grossa 


A crença é enfadonha

E a dúvida, bonita

Por mais que se sonhe

A manutenção da vigília é a vida 


As coisas desejadas 

E aparentemente infactíveis 

Só podem ser alcançadas

Com uma pirraça tranquila


Os gênios são trovões,

Encaram o vento, 

Arrepiam peões e patrões 

E despoluem o ar modorrento


Recentemente, 

Ao longo destes indiferentes 

Dias estranhos

Passaram-se diversos anos.



sexta-feira, 26 de abril de 2024

O odor do descupinizador


Mesmo depois de respondidas

Todas as questões científicas

Prosseguem ilesos

Os problemas da vida

Todos os dilemas intrínsecos e alheios 


Não consigo ser polido 

Com quem não leva a sério 

A opção pelo fascismo

Desprovida de mistérios 

A vida não precisa da fé


Custa tanto ser inteiro

Poucos têm a luz ou a coragem 

É muito caro o preço

Do abraço de um mundo qualquer 

Na tentativa de matar as saudades 


Renúncia completa 

Da busca da segurança 

Correndo o risco da queda

Como uma criança 

Como o que se é 


Aceitação da ansiedade 

Como parte da existência 

O flerte da dúvida e do blecaute

Como bilhete da competência

Área de escape nunca vem tarde


Na batalha diária, vontade ferrenha

A alegria forçada é um porre

Capacidade de total anuência 

De cada consequência

Do que se vive e do que morre 


Nome único, outra pessoa 

Horizonte translúcido perto de mim

O odor do descupinizador me atordoa

Todavia remove os cupins

De uma vez por todas.


Humor não é um estado de espírito, 

Mas um ponto de vista 

Está tudo tão bizarro e esquisito

Que quase ninguém acredita 

Que estou vendo sentido.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Administradores


 Somente administradores 

Podem enviar mensagens 

Todos os exploradores 

Chamam os povos indígenas 

De índios selvagens 


Todos os saqueadores 

Da natureza são facínoras

O resultado nos arredores 

Reflete a selvageria 

Dos acionistas e credores 


Desde a monarquia 

Aos dias de hoje

Aliás o dezenove 

De abril é a data

Dos primeiros ecologistas


Defensores da mata

Dos rios impolutos

Dos ritos sem farsa 

Dos ritmos oriundos

Da chuva, da carta


Emitida do lado de cima

E a tribo dita civilizada 

Mata os povos indígenas

Pela tecnologia avançada 

Com humanidade ínfima


Civilização selvagem

Não imagina que também morre

Mamãe, papai, alguém da torre,

Quando termina a viagem?

Só administradores enviam mensagens.



quinta-feira, 18 de abril de 2024

Vida longe, vida aqui, vida até

 

A vida não é a vivida

Mas a recordada

E o modo

Com que me recordo


Para contá-la

Vida longe, vida aqui, vida até

A vida lembrada

É a propriamente dita


Que serventia tem, gente boa,

Se creio ou não em Deus?

O que se leva em conta é 

Saber se Deus bota fé


Na minha pessoa

Luzes, penumbras e breus

Nenhum amor ou paixão 

É capaz de atingir


O esplendor, a perfeição

Ao procurar no seu par

O que só rola encontrar 

No interior de si


Vida longe

Vida que se esconde 

Vida aqui

Vida souvenir


Vida até

Uma vida qualquer

Toda a minha vida

Memória, mobília. 



segunda-feira, 15 de abril de 2024

Bulevar dos comuns

 

Quanto mais vi da grande peça 

Menos pude caber no seu elenco

Tento, falho, não me interessa

O tempo voa se fingindo de lento


O tipo de prosperidade 

De que careço

Não é fazer o que tenho vontade

Mas não fazer o que não quero


Todos nascemos insanos 

Continuam assim alguns

No passar dos anos

Pelo bulevar dos comuns


Tento mais uma vez só

Fracasso novamente

Um vexame melhor

Mais fresco e quente 


A virtude plena

Anula o indivíduo

Com veemência 

Da mesma maneira é o vício


Através da indolência 

E da ostentação 

Oriundas da intransigência 

E da tentação


Uma experiência profunda 

Nunca, nunca, nunca é serena

Quem argumenta alegando poderio usa

A memória no lugar da inteligência 


O que seria da marmita 

Sem o forno de micro-ondas? 

Uma boia fria, todavia

Não me afogo de fome nem de ondas


Só quem provou sabe como é 

Um híbrido de satisfação 

E tristeza depois da refeição

Sobretudo sem café


Todos estreamos loucos

Prosseguem assim alguns

Bolados, estranhos e soltos 

Pelo bulevar dos comuns. 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Embarcação mundana

 

A Terra é azul

A terra é preta

A terra é humilde

A Terra é um planeta 


A Terra é sobre-humana 

É divina, é soberana

Da terra vem a planta

A terra é húmus 


Embarcação mundana

É o barco, é a canoa

Em que todos estamos

Todas as pessoas


Más, neutras e boas

A Terra é o nosso exílio

A Terra é o domicílio 

De todo mundo


A terra é adubo

A terra gera

Trabalhador e vagabundo

Banqueiro e poeta


Se não cuidarmos dela

Todos os lares

Podem ir pelos ares

E não haverá terra


Para enterrar os mortos

Para abraçar os nossos

Muito menos guerra

Na nossa casa


A Terra é azul

Segundo o astronauta Yuri Gagárin

Em doze de abril

De mil novecentos e sessenta e um


A Terra é o ninho

É o nosso planeta

A nossa placenta

Lugar comum


A Terra pede paz

Da cor do céu e do mar

Antes que seja

Tarde demais


A nave navega

A terra é preta

Geral nasceu nu

A Terra é azul.



quarta-feira, 10 de abril de 2024

Consolos e sinônimos

 

Vamos ser marginais

Mergulhando na paz

Carvão e diamante

Ancião e infante


Contrastantes e iguais,

Diamante e carvão

Do mesmo carbono

Infante e ancião 


É um grito afônico

Sejamos menos distantes

Tudo é virtual e virtuoso demais

O tédio não tem nenhum instante


Para entreter quando nada se faz

Pelo apego ao abandono

Pela franqueza de ser feliz 

Para entender a fraqueza do não


A fim de que a arte finque

A sua fortaleza, os sonhos

O seu estandarte aqui

Com Drummond, Tarsila, Chico, Leminski


Caetano, Lennon, Vinícius, Rita Lee

Pessoa, Dali, Gil, Frida e Kandinsky

Traduzindo anjos e demônios

Salvando mais do que religião 


Choro e gargalho por pura bobeira

Para chegar ao coração eterno

Que bomba um mundo meu

O milagre é o dia seguinte


Os galhos da árvore chegam ao céu

Quando as suas raízes beijam o inferno

Escrevo com ares e teclas

Sou sustentado pela cabeça e pelo chão 


Não me atirem balas nem pedras

No cotidiano de gala

Na raridade de praxe

No eclipse às claras


Sulamericano poeta

Achando saudade e graça

Protocolo e coragem 

Maldade e perdão


O passado não volta mais

Do que o desejo de retorno

A energia se manifesta 

Vamos estar à margem


Do albergue, fora da cidade 

Iceberg no forno

Tudo o que foi já era

Agora será um tempo atrás


Assim a arte deixa

Consolos e sinônimos 

Na sua geladeira aquele recado

Com Pagu, Milton, Machado, Raul Seixas


Gullar, McCartney, Quintana, Picasso

Kubrick, Cacaso, Lispector e Bandeira

Vento, projeto e acaso

Dando sentido, alívio e direção.



segunda-feira, 8 de abril de 2024

Mania de perseguição


Mania de perseguição
Dos próprios sonhos
Com lápis à mão
Logo os sonhos também

É um sermão, é um colapso
É uma façanha, um engodo
Uma mecânica, um contrato
Tive infância, eu sei

Está ao lado a renovação
Do mundo hediondo
Relato da autodestruição
O dinheiro é a lei

Já se decompondo
É mister, é preciso
É um dever, é um estrondo
O pedido para mim e você

Apesar da escuridão
O ar vem com uma espécie
De prece, de vento novo
Não só parece como é a vez

Para que a mente pesque
Numa preciosa imaginação
Pela sinapse feliz dos neurônios
Dos canis aos ateliês

Mania de perseguição
Dos meus objetivos
Sou objeto, carne, dente, osso
Louvo a cor da minha tez

E me movo pela respiração
Não tendo, mas sendo espírito
Ar, terra, água e fogo
Alguém fará o que nunca fez

Eu quero usar a camisa
Escolar assinada no fim do ano
Até rasgá-la com o meu tamanho
E nostalgia daqueles futuros dias.


sexta-feira, 5 de abril de 2024

Nunca somos nós


Nunca somos nós

Quando há multidão 

Não nos vemos mais

Na fila do pão


Estamos sós

Desenganos, eclipses

Desígnios comerciais

Clipes musicais, delírios 


Da velha televisão

Evito dar tanta audiência 

Aos telejornais e às crises

Autoproteção não me aliena


Dos canais que transmitem 

Pautas banais

Falta de evolução 

Falhas nos acordos de paz


A violência vale

Para os covardes

Eu preciso sempre ir à praia

Para me lembrar por dentro 


Renascer, chocar, ficar me vendo

E me lixar para o trauma

Remédio e veneno 

No mar mexido e com calma


Nunca somos nós

Quando há outras

Peças e pessoas

Que são os reais nós.



segunda-feira, 1 de abril de 2024

O que tem de ser


 O que tem de ser 

Possui muita potência

Apenas em mim e em você

Pulsa o poema


Por mais que me esprema

Eu não exprimo 

A solução do problema 

Meu irmão é um primo


Revelo todos e ninguém

Pela metade, pelo meio

Ambiente do pensamento

Quem sente saudades de mim, quem?


Sou um humano poema

Feito de luz e sombra 

Com permanência pequena 

A noite é uma fenda longa


Mas olho para o alto

As estrelas anotam

Sem entender, eu abro 

Novas manhãs, janelas e portas


E neste exato momento 

Alguém me adivinha

O contratempo é do tempo 

Entre idas e vindas


Entrego tudo o que sei 

Pela sorte, pelo terço

Do que desconheço

É forte o que há de ser.



sábado, 23 de março de 2024

Um jogo de instantes

 

Não sei se eu já 

Não estou aqui 

Tampouco lá

Em qualquer lugar, por aí 


Antes de zarpar

Eu fico no ar e me finco no mar

Quiçá a alma

Desatraque antes


E não saiba 

O destino da jornada

Um jogo de instantes

O arbítrio é livre


Ignoro se já não estou lá nem cá 

Eu fui montando o meu filme

Para quem sou agora

E os meus enganos, inclusive


São frutos de escolhas

Não padeço dessa frustração 

De não ter sido outras pessoas

Minha vida ainda está na sucessão


De ocorrências de coisas

Que escoam das minhas mãos 

De uma maneira bem particular

Permaneço envolvido no poema


Nos dias feios, nas horas boas

Sem o dissabor de não virar

Interesses alheios, outras folhas

No solo duro da existência.



quinta-feira, 21 de março de 2024

Alma de borracha

 

Esterco no jardim 

Flores no pântano

A vida é assim

Vai se levando 

Que ponto de inflexão

Nem sei dar a dimensão

Precisa do amor e da ajuda

Quando Francisco Arruda

Tricolor do Ceará, meu tio

Deu para mim

O primeiro disco

Dos Beatles que ouvi

Alma de borracha 

Que nunca se apaga

Com as lembranças 

Dançando rock, break, samba

Pagode e forró 

Foi-se um bloco da minha vida

Da minha infância de uma vez só 

Agora passa uma fita

Casa de vovó Elita, saudades, vó!

Picolés de amendoim

Eu correndo do Barão 

E o primo Victor, de mim

Paco, Macaca e Pantera

Banho de mangueira 

Jackson do Pandeiro, Gonzagão

Fagner, Bebeto, Raça Negra 

Gol a gol com tio Ivinho

Churrasquinho, coração 

Na Arena Cardeal Mazarino

Onde meu pai foi criado

Ah, eu fui feliz mesmo

Eu sinto, agradeço e falo

Antes, durante e depois

Sempre que comer um torresmo

Ou um baião de dois 

Em Jaconé ou em São Gonçalo

Na praia ou à mesa 

Eu estarei com Tia Tereza

Ah, que tristeza parruda!

Descanse em paz, tio Arruda.


quarta-feira, 20 de março de 2024

Não sou mais aquele que me foi

 

Câmeras de monitoramento

Câmaras de gás 

Camas de espreguiçamento 

Ah, manhã fugaz 

Quem está de olho? 


Oh, como sou vulnerável!

Não sou mais aquele que me foi

Adeus, meu medo é superável

E nasceu comigo em Niterói

Contorcendo o rosto 


Quem tem satélite 

Controla quem só intui

À flor da pele

O sangue cego flui

Com a saga que segue 


São grises os céus azuis 

As crises também servem

Os lapsos de luz

Pedalam de tão serelepes

Não me esqueço da minha Caloi


Quem tem sol

Ilumina o porão

De poeira, poluição e pó 

Quantos esperarão 

Pelo super-herói?


Estes dias dinâmicos

Só se parecem com pressa

A clareza, sim, a certeza em si

Não despreza a conferência 

Nem a confusão dos trânsitos


Sonhos se tornam realidade

A natureza não daria incentivo

Nem incêndio a tê-los vivos

Sem essa possibilidade

Cadê a paz daquela promessa?


Serenidade não é tédio 

Tampouco calma é inércia 

Relaxamento no empenho

Dispenso os excessos

Pensando fora do cabresto


Vai longo o tempo em que água é direito

Em vez de mercadoria

Fica na maravilhosa cidade 

O maior porto escravagista 

Da história da humanidade.



sábado, 16 de março de 2024

O desejo de algo

 

Os piores tempos 

Já passaram da berlinda

Foram os melhores momentos 

Das nossas vidas


Cada ano dura menos

Do que doze meses

Uma dose de pensamento 

Dobra num dia desses


Parece trágico 

Não querer nada 

E o desejo de algo

É o eixo da estrada 


Eu não sei quantas vezes 

Fui sem ter vivido

Eu não sei quantos deuses

Ficam me ouvindo 


Os piores tempos 

Não serão os dias futuros 

Foram senhores ensinamentos 

Pontes no lugar de muros


Vivo como posso, 

Agora nunca é cedo

Porque tenho ideias

Do nada e maturadas


Eu me julgo e me jogo

Jamais deixo que o receio

Do erro me impeça 

Do projeto, da jangada


Eu não sei quantas vezes 

Serei fora de senso

Eu não sei quantos deuses

Ficarão me vendo.



domingo, 10 de março de 2024

Thiago Magalhães

 

Thiago Magalhães 

É meu amigo

Desde as manhãs 

Adolescentes 

Do milênio passado 

Quando pegava carona

Apartamentos vizinhos

Fã de Madonna

Thiaguinho me apresentou 

Nelson Rodrigues 

A vida como ela é 

Boca de ouro

O beijo no asfalto 

Passávamos textos

Durante as aulas matinais 

Escrevíamos peças 

Teatrais

Vencedoras de festivais

A culpa é da sociedade 

Ou os laços sanguíneos 

Não são as fronteiras do amor

Editor e dublador 

Meu amigo pequeno 

Fica gigante no palco 

É um ator nato

Flor do teatro 

Meu amigo Thiago

Dos Santos Magalhães 

Desde as manhãs 

Adolescentes 

Do milênio passado.



sexta-feira, 8 de março de 2024

Oito de março

 

Aqui, nesta terra,

Oito de março

Não é feriado 

Nem dia de mera


Homenagem à graça, 

À maternidade e à beleza

Das mulheres, das musas

Inspiradoras da natureza 


É uma diária escaramuça

Eu mesmo me policio 

Para erradicar o machismo

Arraigado pela cultura 


O oitavo dia de março 

É uma data dedicada

À memória da luta, da batalha 

Das heróicas mulheres


Por melhores condições de trabalho

Pelo direito ao aborto 

Em prol da igualdade do salário 

Contra o assédio sexual e feminicídio 


Tais assuntos antigamente 

Eram escondidos 

Entre quatro paredes

Agora estão sendo discutidos


O oito de março 

É um dia para lembrarmos

Do combate permanente 

Das guerreiras de quem somos originários. 



quinta-feira, 7 de março de 2024

Uma infração de segundos

 

Não tenho disciplina por virtude
E sim como reação em virtude
Da minha negligência
Contemplativa urgência

Concilio para não sucumbir
Às minhas cóleras reprimidas
Já me feri nas férias daqui
E noutras esferas e vidas

Um singular minuto
De reconciliação vale
Mais do que anos de amizade
Aquele momento único

Feliz ônus novo
A poesia é uma infração de segundos
Vi no meio do povo
Mas tampouco quis me ler

Pareço gentil, quase bobo
Para velar minha escassez,
Banco o prudente quando não boto fé
E penso na mais inclemente conjectura

Minha compulsão, minha loucura
Pela ortografia, tipo assim,
Não é uma condecoração
De uma mente harmônica

Mas todo um combo
De simulação concebido por mim
Para perfumar o pandemônio
Do meu ânimo, do meu coração

Só sou pontual
Para que não saia no jornal
Que o tempo alheio
Não me importa

O amor não é um estado de espírito
Mas um signo, um segredo
Um significado, uma joia
O amor é um estalo disso, dissolvido.

segunda-feira, 4 de março de 2024

Caso não saiba

 

É impossível

Para uma pessoa

Aprender aquilo 

Que ela pensa 

Que já sabe

É um desperdício 


Quem mata o tempo

Desata a corda toda

Massacra a si mesmo

É uma pena

É um desastre

É um estrupício


Caso não saiba

Eduque-se logo

A existência passa

Sem truque, é um relógio 

Que não se repete

Café não é petróleo 


Tudo vira ilógico

Se você não se percebe

Entre remorsos e crises

A vida tem fases breves

Quase nada tem reprise

Abrace-se e abra os olhos.



sábado, 2 de março de 2024

O baile da alienação

 

O ser humano sempre 

Está com disposição 

De negar o que não entende

A sociedade moderna esquece


Que o mundo não pertence 

A uma única geração

O meu desejo é que pudesse

Aniquilar todos os pensamentos


Que são potentes venenos 

Ao meu êxito, velho texto,

Mas obtenho um tipo de satisfação 

Sendo indulgente com o que penso


Eu não quero dançar 

Antes nem depois da canção 

Apenas danço enquanto durar

O baile da alienação 


Quem se conhece 

Ingressa no universo 

Dos deuses, uma espécie 

Em extinção aos néscios


Eu não danço na prévia 

Nem no enterro dos ossos

Só danço durante a festa

Quando não sou feto nem fóssil.



quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

O presente


A arte do vaticínio

É muito difícil 

Sobretudo 

Sobre o futuro


Jamais vou ser 

Mais do que sou 

Tampouco desejarei 

Não aprendi a viver


Todos os dias aprendo

Desconheço tudo, meu amor

Apenas sei ir vivendo

Se o que faço


É engraçado 

Não preciso 

Ser engraçado 

Para fazer isso


Nenhum agrado

É um mal em si mesmo

Mas certas coisas capazes 

De tecer enlevos


Trazem consigo mais males 

Do que prazeres

Embora tente o resgate 

Daqueles tempos inocentes


O passado está em fuga

Com os deleites

Em direção a uma rua

Inacessível e escura


O que espero está ausente

Se não foi, não apareceu 

Porém é meu o presente

O presente é meu.



segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Tente perceber

 

Tente perceber
Basta ver
Tudo está
E brota aí dentro

De si mesmo
Em cada momento
Além de você
E dos seus meios

Ninguém mais
Ignoro outro alguém
Quiçá nem o tempo
Seja capaz de fazer

Você mudar para melhor
Sem medo nem desespero
Espere a volta do anzol
Apesar do tempo feio

Raia sempre e sem pressa o sol
Ainda que não possa vê-lo
Aguarde a revolução naquele setor
A ingratidão é presa da infelicidade

Os que flatulam e arrotam razão
Costumam ser os menos razoáveis
Antes da compreensão
É fundamental sentir a ideia

A falta de reconhecimento
É da tristeza, faz parte dela
A impressão é que nada tem senso
Trata-se de um erro.


sábado, 24 de fevereiro de 2024

Se você não é audaz

 

Se você não é audaz

A vida se contrai

Com a vontade grande

O que se vê vem e se expande


O meu gesto ou ajuste

É em relação a mim, 

Não ao mundo injusto, rude

Em putrefação, rumo ao fim


A vida na maior parte

É composta de sonhos

É legal ligá-los à ação

As portas se abrem


As coisas brilhantes, as artes

Não são vistas como são

Mas diante do que somos

Visitas do sim, talvez do não


Escrever é uma real necessidade

Ressignifica o escravizado silêncio

O mar precisa das tempestades

E nós, de conhecimento.



terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Busca na luz da bruma



 Busca na luz da bruma

Contra a trama daninha

A ilusão já se transmuta

E sem drama transmite a notícia 


A lágrima que desce

E sai da mumunha

Dessa vez é alegre

E dança a sua melhor música


Traduzir o estoque volátil em versos

Desde a hora do primeiro rock até hoje

Na trajetória táctil do projeto

Nasce, tropeça, rasteja, sobe e foge


Meu bem, positividade 

Não deixa tudo bem 

E na festa, como de praxe,

Não se sabe quem é quem 


Face ao risonho risco

Parece insanidade 

Porém é sonho, heroísmo 

Ou pura santidade


Colocar poesia 

Assobiar no vazio

O coração é uma bateria 

Um aviso sutil. 

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Transmissão

 

A revolução não será televisionada 

Pela Vênus platinada

A transformação é interna

E pelo menos por inteiro


A esperança voa com pedras

A mudança perdoa de tão velha 

Há pessoas paupérrimas 

Que só possuem dinheiro


E há quem conte moedas

Contando sempre com amizade

Ou com burrice nesta idade 

As edificações do bairro onde cresci


Estão menores e quietas

Ninguém é mais o mesmo 

Eu sou estrangeiro aqui

Na casa no meio da estrada


Nos arredores, nos arremessos

Arretada, ampla e indiscreta 

A revolução não será desligada

Pelas ligas dos sacripantas e imbecis. 

domingo, 28 de janeiro de 2024

Espíritos

 

É uma pena que Mercúrio em Peixes
Deixe de ser um mero dado astrológico
Quem me dera se o garimpo pudesse
Ser apenas metafórico

A coragem não se cora
De vergonha ou timidez
É no coração que mora
A coragem cônscia da sua vez

Opa! Ocorreu um erro.
Estamos tentando resolvê-lo
O mais rápido possível, tente
Mais tarde novamente

O que temos não é roupa
Mas conhecimento somente
Ninguém nos rouba
Imateriais cimento e semente

Além de preços e pompas
Somos mais preciosos
Do que um diploma
Somos mais poderosos

Do que um cargo ou título
Trascendendo carnes, ossos
Crachás, cartilhas, remorsos, ritos
Planilhas, ramais e escritórios

Não temos espíritos
Não temos nem temamos o que somos
Nós somos espíritos
E o que somamos em sonhos.







quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

O parto

 


Por que nasci?

Por que eu vim 

Parar aqui?

Por quê?


Não sou nem serei

O único 

Ou o último 

A indagar, eu sei


Preciso seguir 

Perto de mim

O parto é assim

Sangrei, chorei e suei


Eu vou mexer

Na colcha de retalhos 

Na caixa da tevê 

Nas gavetas do armário


Para me rever

Viver dá trabalho

Ah, uma vez que errei

Sou perfeitamente falho.


Hoje há tantos informes inúteis 

Deixemos que os pensamentos 

Passem como as nuvens

Enormes no firmamento.


Todos nós, você e eu

Devemos cuidar da mente.

Quem não enlouqueceu 

Ultimamente?




quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

A vida é uma revolução



Não vou me alugar

Isso é prerrogativa 

Do destino que não se esquiva

Inquilino do lugar


Agora eu me lembro

Do quão não era fácil 

Viver adolescendo

Sobrevivi porque renasço


Há tempos me mantenho

No constante exercício 

De autoconhecimento 

Inteligência não é artifício


Religião paramilitar

E medicina antivax 

Não vão me adoentar

A saúde não vem de táxi


O óbvio é uma revelação

Caos não é bagunça 

A vida é uma revolução 

Antes tarde do que nunca


Não vou me alegar

Inapto para o exame

Rapto do vexame

Capto a chave pra me alegrar


Jamais é como se supõe 

Camadas da existência 

O que se corresponde 

Entre a resistência


E a persistência 

Transcende a própria rima

Nunca é do jeito que se imagina 

Como sempre, tipo ciência


O homem está imundo

E pensa que é um dos deuses

Existe outro mundo

Pulsando dentro deste


A intrepidez é a mola mestra

Toda vez é um novo início 

Não é uma vida péssima 

Foi apenas um dia difícil.



domingo, 14 de janeiro de 2024

Consciência conselheira

 


Consciência conselheira

Sem essa de ânsias

Nem falas falazes

Eu lhe dou os passos e as orelhas

Já fizemos as pazes


Orgulho, vulgo: desvio

Poços de ignorância

Tentadores vales

Não levo as dores e me viro

Verão que tudo se varre


Consciência conselheira

Sem exorbitâncias 

Nem fugas fugazes

Eu lhe devo a minha vida inteira

São dádivas da idade 


Em mim perdura a infância

Atrás das grades 

Que se enferrujam 

A engenharia se cansa 

A intuição não é dúvida


No espelho interno 

Não existe culpa

É incapaz o analfabeto 

De ler nenhum livro 

Até este exato minuto 


Quando a leitura invade o vazio

Quarto escuro 

E a taciturna noite parte

Com as cadavéricas certezas

Brumas de outro século 


Ah, consciência conselheira 

Lesões e lições de nós cegos

A luz brilhante incide na teia

Na bolha, na telha, na borra do ego 

A ilusão vai talhada e tarde


Sempre que vier

Sente-se à mesa,

Estale os ossos, tome um café 

Ou um troço qualquer e conte a verdade, 

Consciência conselheira.


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Silêncio na coxia

 


Silêncio na coxia

Os sonhos não são feitos 

Pelos rótulos nem pelas coxas

O céu esplêndido propicia 

A ousadia plena no peito

Uma estrela pousa


Aterrissagem da iniciativa

Postura do guerreiro 

Contra as obscuras coisas

Em prol da coragem na vida

O orgânico vai embora primeiro 

Antes do ânimo, da alma da pessoa


Quietude e telepatia 

O teatro está cheio 

De abutres, ratos e moscas

Miragem quase memória 

Morará aqui na casa um dia

Mais calma do que desespero


Hoje a onda é nova

Agora tudo se inicia

Está pronto o roteiro 

Graças ao mapa da rota

Gritos nas entrelinhas

No planetário inteiro


No fluxo das forças 

Do proscênio, da coxia

O futuro adentro 

A vontade que chora

Pela volta da alegria

Alegoria do tempo


Qual é a idade da Terra?

Quantos anos vivemos?

Na redoma da matéria 

Escuto o esclarecimento do silêncio

A despeito da sombra da psicosfera

Eu me mudo pelo amadurecimento


Mensagem em modo procela

Por dias mais felizes

Aquele mundo já era

Depois do apocalipse

Quando é o aniversário da Terra?

Quantos anos eu tive?



quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Ciente de que vim louco

 

Ciente de que vim louco

É a minha lente

Há pouco tempo

E não passa lento


Gente, sair do jogo

Pela tangente

É um livramento

E talvez seja rabugento 


Já fui diversos outros

Caí fora deste game

Eu me perco e me venço

Vivo feroz, vivo gemendo 


O mundo e o circo pegam fogo

Sou as chamas de alguém

Chamado, pensamento

Fleumático e me queimo


Já fui muito bobo

Palhaço, malabarista

Clássico, artista cênico

Diabólico e me benzo


Não posso ficar no conforto

No sofá, no bar, nas cinzas

Com sono ao passo que vou sendo

Em confronto com o bom senso


Já não sou nada nem novo

Contudo não sou velho ainda

Quanto mais vou, mais venho

Para a jornada interina 


Batem à porta, no meu porto, 

Maravilhas submarinas

Salvarão o desejo, saltarão do desenho

Embarcação a uma milha da minha


Já nasci livre e torto

Na peripécia da periferia 

Entre apocalipses, adventos,

Cicatrizes, inércias e feridas


Já estive nessa, já fui morto

Agora tenho gosto de vida

De perigo da lufada do vento

Que nem a fada adivinha.